São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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O Chile no Mercosul

HERALDO MUÑOZ

No dia 1º de outubro de 1996, entrou em vigor o acordo de associação entre o Chile e o Mercosul, assinado pelos presidentes dos cinco países envolvidos e ratificado pelos respectivos congressos. Portanto, se configura um passo histórico no processo de integração da América do Sul.
Esse acordo de associação implica fatos concretos até uma maior interdependência econômica entre os nossos países, e não declarações retóricas. Assim, os impostos dos produtos incluídos na denominada "lista de desgravação geral", que representa mais de 60% do intercâmbio comercial entre os cinco países, diminuíram 40%, passando tal redução a 48% em 1º de janeiro do próximo ano e chegando a 100% de redução em 1º de janeiro de 2004.
Os benefícios econômicos dessa liberalização traduzir-se-ão em menores preços para os consumidores e geração de novos empregos nos cinco países. Igualmente, haverá um estímulo aos fluxos de investimentos entre os países, especialmente para a chegada de investimentos chilenos ao mercado brasileiro.
A importância do Mercosul para o Chile pode-se constatar no fato de que o Brasil e a Argentina são, respectivamente, o terceiro e o quarto sócio comercial do Chile. O Chile tem igualmente uma significativa relevância comercial para os países do Mercosul. Em 1995 o fluxo do comércio do Chile com os quatro sócios ascendeu ao redor de US$ 4,5 bilhões, o que representa quase um terço do intercâmbio total dos países membros do Mercosul entre si.
A posição do Chile como mercado para as exportações do Mercosul é percebido pelo fato de que em 1995 o Brasil exportou ao Chile mercadorias por US$ 1,2 bilhão, com um fluxo comercial bilateral ascendente a US$ 2,25 bilhões no mesmo ano de 1995. Já durante o primeiro semestre de 1996 o intercâmbio comercial entre o Brasil e o Chile atingia quase US$ 1 bilhão, com um saldo levemente favorável ao Brasil.
Por outro lado, a importante orientação diplomática, geográfica e comercial do Chile aos mercados da Ásia-Pacífico pode também ser de grande utilidade para a projeção dos países do Mercosul em direção a tais mercados.
A proposta chilena de vinculação ao processo de integração sub-regional instituído pelo Tratado de Assunção, apresentada pelo governo chileno aos países do Mercosul em junho de 1994, emanou do propósito do governo do presidente Eduardo Frei de fortalecer a integração latino-americana dentro de uma concepção de "regionalismo aberto".
Ainda que em um passado recente o Chile tenha visto com interesse o processo do Mercosul, decidiu não incorporar-se ao mesmo devido a que, pelo objetivo do bloco de que todos os seus integrantes tenham cargas tributárias externas iguais, o Chile não podia somar-se por possuir taxas aduaneiras comparativamente mais baixas e uniformes (11%) do que as dos integrantes de tal acordo. Esse obstáculo persiste na medida em que a aplicação, a partir de 1º de janeiro de 1995, da Tarifa Externa Comum acordada entre os países do Mercosul, que consiste em impostos diferenciados entre 0% e 20%, com exceções transitórias que permitem níveis superiores aos 20%, é incompatível, ao menos em curto e médio prazo, com a política comercial do Chile.
Por outra parte, a existência de assimetrias nas políticas econômicas entre o Chile e os países do Mercosul tornou difícil que o Chile pudesse somar-se ao objetivo da harmonização, instrumento para facilitar a conformação do mercado comum.
Contudo, em que pesem razões importantes para não ingressar plenamente ao Mercosul, tanto o maior ênfase nas relações com a América Latina na política exterior do governo Frei quanto a crescente relevância econômica e política dos países do Mercosul para o Chile levaram à busca de uma fórmula de "associação" e a negociações concretas para atingir esse propósito.
Após um processo negociador que se estendeu por aproximadamente dois anos, em 25 de junho de 1996 o Chile e os países do Mercosul assinaram o almejado Acordo de Associação. Tal acordo estabeleceu uma zona de livre comércio em um prazo máximo de dez anos. Contém normas e disciplinas comerciais em matéria de origem, salvaguarda, tratamento sobre práticas desleais de comércio, restrições não-alfandegárias, normas sanitárias e fitosanitárias, incentivo às exportações e outros aspectos. Contém também disposições sobre facilidades de transporte e um compromisso de avançar até a liberalização do comércio de serviços; e promove a integração física, especialmente mediante o desenvolvimento de inter-conexões bioceânicas.
O acordo Chile-Mercosul, qualificado pelo chanceler do Brasil, Luiz Felipe Lampreia, como um "acordo de qualidade", pela experiência econômica que o Chile aporta, estabeleceu, além do mais, uma comissão administradora integrada pelo Grupo Mercado Comum do Mercosul e pelo Ministério das Relações Exteriores do Chile, e criou um regime de solução de controvérsias. Paralelamente, o Chile assinou uma cláusula democrática que compromete politicamente aos integrantes do bloco econômico.
O acordo Chile-Mercosul imprimiu, sem dúvida, um novo dinamismo ao processo de liberalização regional. Mas o acordo não implicou um abandono de outras prioridades de integração chilena a outros mercados da América Latina, da América do Norte, Europa e Ásia-Pacífico. De fato, só uma semana antes da assinatura do acordo com o Mercosul o Chile firmou um acordo de cooperação econômica e política com a União Européia. Por isso, a associação do Chile ao Mercosul não exclui, por exemplo, as negociações para uma eventual incorporação do país ao Nafta, num contexto de "regionalismo aberto" reforçado pela diversificada estrutura comercial do país em termos geográficos.
Porém, o Nafta, a Apec e a União Européia são somente parte de uma estratégia global chilena para melhorar a inserção econômica internacional do país, assim como as condições de acesso dos bens e serviços chilenos nos mercados externos, enquanto a associação do Chile ao Mercosul representa um compromisso político superior, baseado em uma estratégia de integração econômica, física e cultural que pretende a criação de um sistema de interdependência no Cone Sul da América.
A adesão a um "regionalismo aberto" não é uma posição peculiar do Chile. É, melhor, uma posição característica da nova política pragmática de inserção múltipla na economia internacional. Nesse sentido, o acordo Chile-Mercosul é uma importante demonstração de que a integração pragmática é possível, e que, agora, nos novos tempos, a unidade regional é mais factível do que nunca na história moderna das Américas.

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