São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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Bom, bonito e gostoso

PATRICIA DECIA

"Acho que há uma dualidade entre quem eu sou e essa persona, essa imagem que o público passa a conhecer. Eu espero que a representação seja divulgada o melhor possível, o mais próximo de mim possível."
"Li algo que dizia que a sorte é um resíduo do desejo. Não sei o que aconteceu comigo, mas coincidências, aos poucos, foram ficando evidentes na minha vida"
"Atuar é uma grande oportunidade na minha vida e pretendo continuar fazendo isso por um bom tempo, mas eu realmente acho que dirigir é bastante interessante também"

Comparado a Marlon Brando e Paul Newman, Matthew McConaughey, ator de "Tempo de Matar", provoca histeria e elogios em Hollywood
Pouco antes de "Tempo de Matar" ser lançado nos Estados Unidos, o estúdio da Warner jogava todas as suas fichas nos nomes de Sandra Bullock e Samuel Jackson para anunciar a nova adaptação para o cinema de um best-seller de John Grisham ("O Cliente" e "A Firma").
O dono do papel principal -uma aposta do diretor Joel Schumacher- era tratado apenas como um jovem ator desconhecido, com um nome quase impronunciável e pequenos papéis em filmes independentes.
Em algumas semanas, após uma certa histeria e superexposição criada pela imprensa norte-americana, Matthew McConaughey (diz-se macónarrei) se transformou no novo sex symbol de Hollywood e um dos mais disputados atores para as novas produções.
Na busca de explicações para todo esse hype, uma parece a alternativa mais provável: as circunstâncias da escolha de McConaughey para interpretar o advogado Jake Brigance, personagem quase autobiográfico criado por Grisham.
Numa discussão que levou meses entre o escritor e o diretor -e quase inviabilizou a produção do filme-, foram rejeitados para o papel Brad Pitt, Val Kilmer, Woody Harrelson, Alec Baldwin, Bill Paxton e Kevin Costner.
Mas um outro ingrediente, muito importante por sinal, trabalhou a favor da transformação de McConaughey em "queridinho" da mídia dos EUA. No quesito aparência pessoal, ele tem todos os atributos para conseguir qualquer emprego em Hollywood, desde que seja o de galã.
O galã
Principalmente por causa de seus olhos azuis e de um rosto másculo, McConaughey recebeu dezenas de comparações com Paul Newman e Marlon Brando. Sua imagem foi consagrada com uma grande reportagem na revista "Vanity Fair" do mês agosto ilustrada por um ensaio fotográfico de Herb Ritts.
Nas fotos, McConaughey aparece no melhor estilo caubói sexy: jeans apertados, botas e camisa aberta, mostrando parte do peito e dos braços musculosos.
O texto profetiza o estrelato do ator e diz que ele tem as três coisas que fazem um sucesso em Hollywood: é esperto, tem talento e as mulheres querem dormir com ele. Depois da "Vanity Fair", que esgotou as vendas, ele ganhou perfis em praticamente todas as publicações sobre cinema no país.
Pessoalmente, McConaughey parece apenas um pouco mais baixo do que na tela do cinema, mas as diferenças físicas param por aí, e o resto é tudo verdade.
Meio despenteado, com um terno de linho cuidadosamente desleixado e exibindo um invejável bronzeado, o texano de 26 anos chega para a entrevista num luxuoso hotel em Nova York: "Esse é um momento maravilhoso, cheio de oportunidades e opções, é o sonho se tornando realidade", disse em entrevista à Revista da Folha.
Entre as opções estão os novos projetos de Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Renny Harlin (diretor de "Duro de Matar") e uma ficção científica com Jodie Foster. Esse último -o filme "Contact" (Contato), baseado no livro de Carl Sagan- foi o escolhido pelo ator, segundo declarações à imprensa norte-americana.
Vida de famoso
Mas enquanto não começa a trabalhar, McConaughey tem de enfrentar as "dificuldades" da vida de famoso. Fãs, autógrafos, fotógrafos e colunas de fofoca já o elegeram como alvo preferencial.
"Acho que há uma dualidade entre quem eu sou e essa persona, essa imagem que o público passa a conhecer. Eu espero que a representação seja divulgada o melhor possível, o mais próximo de mim possível."
Para isso, conta com uma ajuda bastante especializada: sua companheira de "set" em "Tempo de Matar", Sandra Bullock.
A atriz, que também virou sucesso instantâneo após sua aparição em "Velocidade Máxima", foi inclusive flagrada com McConaughey por vários paparazzi em situações românticas. Os dois negam tudo.
"Ela tem me ajudado muito. Não são necessariamente conselhos diretos, mas Sandra está dividindo a experiência que teve. Faz as coisas mais fáceis. Tenho aprendido muito com ela, ela tem sido maravilhosa. No trabalho, ela mostra suas opiniões, sabe o que quer. Ela entende exatamente o que faz, o que é uma grande qualidade", disse.
Mas essa não foi a primeira aparição de McConaughey nas colunas de fofoca. Enquanto filmava "Tempo de Matar", especulou-se que ele estava namorando a atriz Ashley Judd, que interpreta sua mulher no filme.
Os dois posaram juntos para a capa da revista "Interview". McConaughey mal comenta esse tipo de notícia e diz que já estava "preparado". "Tenho de manter meu senso de humor sobre isso porque muita coisa vai aparecer. Isso será duro. Não posso levar a sério. O que eu realmente vou sentir falta é da opção de observar. Sei que ganhava muito com o fato de ser anônimo, no sentido de ter experiências para dirigir ou atuar. Vamos ver, haverá tempos fáceis e difíceis, pretendo aprender com ambos."
A família
McConaughey nasceu em New Valley, mas foi criado na cidade de Longview, ambas no Texas. Filho do meio de uma família de três irmãos, McConaughey é o único que não herdou o negócio do pai na venda de componentes para a indústria de petróleo.
Sua mãe, a professora de jardim da infância Kay McConaughey, virou a chefe da família depois que o pai morreu, enquanto Matthew filmava "Jovens, Loucos e Rebeldes", de Richard Linklater.
Ela o acompanhou à entrega do Oscar e sempre incentivou a carreira do filho. Quando virou vendedora de cosméticos, por exemplo, usava Matthew como seu modelo para exibir os produtos. E, quando ele tinha 17 anos, fez o garoto entrar em um concurso de beleza no colégio, onde, por sinal, ele levou o título de "mais bonito de Longview".
Mas a carreira de modelo não vingou e McConaughey entrou para a universidade de direito, em Austin, também no Texas. Antes de completar dois anos de curso, no entanto, ele trocou o direito pela universidade de cinema. Daí por diante, uma sucessão de coincidências e muita sorte permearam a vida do ator.
Coincidências
"Comecei a fazer cinema e queria dirigir um longa-metragem, mas me decepcionei um pouco com minhas possibilidades, então parei. Nesse meio tempo, conheci Don Phillips, que estava procurando atores para seu filme 'Jovens, Loucos e Rebeldes'. Consegui um papel pequeno, mas o personagem foi crescendo. Comecei a mostrar minhas idéias e eles gostaram. Ou seja, meu papel aumentou quando poderia facilmente nem ter entrado no filme. Li algo que dizia que a sorte é um resíduo do desejo. Não sei o que aconteceu comigo, mas coincidências, aos poucos, foram ficando evidentes na minha vida", disse.
Depois de seu papel no filme de Linklater, McConaughey voltou para a escola "apaixonado por essa coisa que se chama atuar". Fez seu filme de graduação e um outro curta nunca lançado.
Agora, como outras estrelas imediatas, como Alicia Silverstone ("Patricinhas de Beverly Hills") montou sua própria produtora de cinema, batizada de J.K. Levin. "É tirado de uma das últimas falas do meu personagem em Jovens... como uma abreviação de just keep leaving (apenas continue vivendo)", explica.
Nesse meio tempo, foi coadjuvante no filme "Somente Elas", contracenando com Drew Barrymore e Whoopi Goldberg e interpretou um xerife em "Lone Star", dirigido por John Sayles.
Ele também não descarta voltar para trás da câmeras e dirigir um novo filme. "Atuar é uma grande oportunidade na minha vida e pretendo continuar fazendo isso por um bom tempo, mas eu realmente acho que dirigir é bastante interessante também."
"Tempo de Matar"
Para McConaughey, "Tempo de Matar" foi a oportunidade de uma vida e, com isso, carregou uma grande dose de pressão. "Joel (Shumacher) me disse: 'Vamos fazer'. Eu sabia que haveria muita pressão e resolvi que teria de enfrentar. Trabalhei rápido para estar preparado. Era a hora certa."
Como ninguém, ele soube aproveitar sua chance e diz que as recompensas foram muito maiores do que havia esperado.
"Aprendi muito sobre a profissão de ator trabalhando com essas pessoas (Bullock, Jackson, Kevin Spacey) no filme, maneiras de fazer, confirmações do que funciona, também aprendi que você precisa fazer sua lição de casa cedo, estar preparado quando aparecer e despejar tudo rápido. Eu cresci muito durante as filmagens."
Uma história explosiva no consagrado estilo "thriller de tribunal" que rendeu fama e fortuna a John Grisham, "Tempo de Matar" toca diretamente no conflito racial e na segregação vividos no sul dos Estados Unidos (leia texto à página 16).
Esse é um problema que o texano McConaughey conhece bem. "No Texas, há algumas coisas que ninguém comenta mas todo mundo sabe e entende. Na minha escola, por exemplo, havia 50% de negros e 50% de brancos, mas cada grupo vivia separado, em seus bairros. Quando saí dos Estados Unidos, tive a exata noção de como é o racismo aqui. Tive a experiência de olhar para trás e entender melhor o que deixei", afirmou.
A cidade onde o filme foi rodado, no Mississipi, também é muito parecida com a localidade criada por Grisham para desenvolver sua história.
"Pequenas cidades são assim: há uma lei local e você a segue. Eles dizem: 'Nós fazemos do nosso jeito'. Quem vai ficar irritado e dizer alguma coisa? Para fazer um filme, você tem de dramatizar, não é um documentário. O Klan está lá, as tensões raciais estão lá. Quando filmamos a grande cena do conflito em frente ao tribunal, o jornal local publicou uma história dizendo que muitos negros e brancos se falaram ali pela primeira vez. Achei o máximo ter provocado essa interação", disse.

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