São Paulo, segunda-feira, 7 de outubro de 1996
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Paulo Freire critica ensino "neoliberal"

FERNANDO ROSSETTI
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR (BA)

A alfabetização promovida pelas empresas brasileiras é limitada por uma visão neoliberal, afirmou o educador Paulo Freire, 75, em palestra neste final de semana para professores do Projeto Axé, em Salvador (BA).
A palestra reuniu o educador e o projeto de educação mais conhecidos do país no resto do mundo.
Em seus seis anos de atividade, o Projeto Axé já trabalhou com cerca de 7.000 meninos e meninas de rua e é tido como modelo internacional de iniciativa pedagógica voltada para crianças de baixa renda.
Para Freire, o neoliberalismo é a ideologia e a forma de organização da economia hoje hegemônicos na maioria dos países do planeta.
"Nos anos 50 e 60 fui considerado um inimigo de Deus e da família, fui preso porque propunha que se alfabetizasse o país. Agora, nos anos 90, os industriais alfabetizam seus funcionários", disse.
"Mas esse ensino está dentro da perspectiva neoliberal. A alfabetização feita é puramente mecânica, foi descoberta como uma necessidade do processo produtivo."
"Um cozinheiro precisa da técnica para desempenhar sua profissão. Mas exige também a capacitação política para exercer a cidadania, para intervir na sociedade."
Segundo ele, "o bom engenheiro não é só aquele que sabe calcular uma obra, mas o que distingue a obra da formação da cidade."
Apesar disso, Freire defende o ensino nas empresas: "Eu quero muito mais que isso, mas não fecharia. Se os funcionários só fizerem uma leitura mecânica, que só garanta que eles não quebrem as máquinas, depois a gente pode melhorar isso."
A palestra foi em torno do tema "Educação, Desejos e Sonhos" -palavras que, como Freire, "inspiram" o Projeto Axé, segundo seu presidente, o italiano Cesare de la Rocca. O Axé inclusive denomina sua metodologia de ensino de "pedagogia do desejo".
Freire iniciou sua fala de mais de duas horas definindo o que entende por sonhos e desejos: "Tocar nessa questão implica primeiro reconhecer a nós, homens e mulheres, como seres históricos, inacabados e como seres conscientes do nosso inacabamento".
Para ele, relacionando-se essa "consciência do inacabamento" à curiosidade se atinge "uma presença no mundo". Mas essa presença "não pode continuar se não tiver relação com um amanhã".
"A questão é como nos relacionamos com o amanhã e o que queremos do amanhã." Daí a necessidade dos sonhos e desejos.
O neoliberalismo, diz Freire, "luta contra o sonho e a utopia, está cheio de idéias pragmáticas e de interesses imediatos".

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