São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 1996
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A carga horária do médico

CARLOS FREDERICO DANTAS ANJOS

Reportagem publicada nesta Folha em 26/09 com o título "Médico estadual cumpre 60% da jornada" informa que os hospitais da rede estadual exigem que os médicos cumpram apenas 60% da jornada para a qual foram contratados.
O mérito é que dessa vez o governo foi sincero e assumiu sua responsabilidade, deixando claro que paga mal, não tem condições de pagar melhor e praticamente oficializa os "acertos" como mecanismo compensatório de remuneração dos médicos.
Encarar a questão da remuneração dos médicos no serviço público é hoje um dos principais desafios do Sistema Único de Saúde (SUS), às voltas com péssimas condições de trabalho, evasão de médicos e falta de motivação, decorrentes entre outras da péssima remuneração.
Diariamente o "Diário Oficial do Estado" publica editais de concursos para médicos, sem que se consiga o preenchimento das vagas disponíveis. O PAS, da Prefeitura de São Paulo, soube perceber isso e sua primeira opção de marketing foi o aceno de melhoria na remuneração do médico.
Defendo a idéia de que o médico, principal profissional na equipe de saúde, deva ter uma remuneração diferenciada e carga horária compatível com a realidade e especificidade do trabalho médico. Melhor dizendo, sem uma remuneração atrativa e compatível com suas aspirações profissionais, tempo de formação, especialização e complexidade do seu trabalho, dificilmente conseguiremos a adesão do médico à melhoria do atendimento no setor público.
Recente pesquisa nacional elaborada pelas entidades médicas, sob a coordenação da Fiocruz/MS, revelou que os médicos ganham muito mal, têm vários empregos e na sua grande maioria têm um ou mais vínculos com o serviço público. Portanto, inferimos que, mesmo em situações adversas de trabalho e remuneração, os médicos ainda têm no setor público uma importante fonte de emprego, assistência, pesquisa e ensino, fundamentais à sua profissão.
Seria muito fácil ganhar a adesão do médico para a melhoria da qualidade do atendimento se fosse modificada sua remuneração, hoje basicamente centrada em míseros salários.
Não é justo que um neurocirurgião passe oito ou mais horas numa única cirurgia e o clínico atenda cem ou mais consultas em 12 horas ganhando apenas R$ 600. Temos de encontrar outras formas de remuneração do médico no setor público, que, partindo de um piso salarial justo, faça uma complementação que leve em conta a produtividade, a carga horária efetivamente trabalhada, o desempenho de cada unidade de trabalho, a qualificação profissional, rotatividade de leitos, taxa de infecção hospitalar e/ou outros mecanismos que incentivem um melhor desempenho individual e por equipe, melhorando a qualidade do atendimento.
Quanto à carga horária, no serviço público os médicos têm cargas horárias de 20, 30 ou 40 horas semanais, exercidas de diferentes formas (diaristas/plantonistas). Infelizmente, o governo do Estado, em várias administrações, "oficializou" os acertos de carga horária, que passaram a ser do interesse da administração -pois só assim consegue o profissional- e também do interesse do médico -para compensar os baixos salários.
A saída, do ponto de vista imediato, além das propostas acima levantadas, seria a equivalência salarial de todos os médicos à jornada de 40 horas e, em seguida, instituir a jornada única de 20 horas/semanais ou 24 (corrigida) sob regime de plantão, como jornada de médicos na rede pública estadual.

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