São Paulo, sábado, 12 de outubro de 1996
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Nascido em Brasília, cantor mantinha relação de mágoa com a capital federal

WILLIAM FRANÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Renato Russo mantinha uma relação de mágoa com Brasília, apesar de o grupo Legião Urbana ter nascido na cidade e de o cantor ter morado na capital até que a banda decolasse para o sucesso. Havia oito anos que ele se recusava a tocar na capital.
Renato Russo viveu uma juventude tipicamente brasiliense. No fim do regime militar, participou de manifestações políticas pró-democracia. Engajou-se em modismos culturais, como o movimento punk: andava de calça rasgada, coturno e cabelo espetado.
Sempre teve paixão pela música. Desde os quatro anos de idade, estudou piano. Em 1975, aos 15 anos, reuniu-se com alguns amigos mais novos do que ele e montou uma pequena banda, Aborto Elétrico.
Como todo roqueiro no regime militar, viveu na marginalidade.
O grupo Aborto Elétrico tocava em barzinhos de Brasília e fazia pequenas apresentações nas cidades-satélites. "Eu não dava muita bola para aquilo. Eu carregava os instrumentos em meu carro, mas achava que era brincadeira de criança", disse à Folha Leda Bonfá, mãe de Marcelo Bonfá, parceiro de Renato Russo.
Além de Russo e Bonfá -que permaneceram unidos até o último trabalho da Legião, "A Tempestade"-, também integravam o Aborto Elétrico o baixista Renato Rocha, o Negreti, que deixou o grupo há seis anos, depois de desentendimentos.
Diz uma lenda cultivada pelos amigos que o nome da primeira banda surgiu em homenagem a um episódio que teria sido vivido pelo grupo na Universidade de Brasília, onde se apresentavam com frequência. Numa das muitas passeatas reprimidas pela polícia, uma garota grávida teria abortado depois de ter levado um golpe de um cassetete elétrico.
Enquanto o sucesso não veio, para ganhar a vida Renato deu aulas de inglês em cursinhos, depois de voltar de uma estada no exterior. Entrou para o curso de jornalismo no Ceub (Centro de Ensino Unificado de Brasília), trabalhou em assessorias de imprensa de alguns ministérios. Não se formou.
Ele conseguiu emprego como programador de uma rádio FM. Apadrinhado pelos Paralamas do Sucesso -que se lançaram dois anos antes-, o Aborto acabou virando a Legião Urbana e gravou o primeiro disco em 1984.
A família de Renato mora em Brasília. Ele também deixa o filho Juliano, de 7 anos, fruto de um caso furtivo.
Performance
Toda a mágoa de Renato Russo com Brasília começou com um show malsucedido, em julho de 1988. Seria o segundo grande show da Legião na cidade, depois de ter reunido mais de 20 mil pessoas dois anos antes, quando a banda lançou o segundo disco.
Para o lançamento do terceiro, a Legião optou por fazer um show no estádio Mané Garrincha, o principal da capital -com 50 mil lugares. A desorganização começou já na entrada: um tumulto com a Polícia Militar fez com que muita gente fosse pisoteada por cavalos.
O show sofreu um atraso de mais de duas horas. Renato Russo entrou no palco irritado. Encontrou uma platéia de mais de 30 mil pessoas nervosa com a polícia, com a demora e com o frio.
Russo não chegou a cantar a segunda música. Logo na primeira, um fã invadiu o palco. Mantendo a fama de agressivo, ele ameaçou cortar músicas se a platéia não se comportasse. Alguém jogou uma lata no palco -o suficiente para acabar com a festa.
Russo disse que os brasilienses eram "babacas" porque, antes, ele cantava de graça e daquela vez todos se apertavam para vê-lo. Desfilou uma lista de impropérios e a revolta se generalizou. Até o gramado foi incendiado.
Um ano depois, em 1989, Renato estava num barzinho onde se apresentava uma banda de blues. A convite dos músicos, subiu ao palco. Foi vaiado por um grupo que tinha participado do show no estádio. A partir de então, prometeu nunca mais tocar na cidade.
Apesar disso, a Legião é uma das bandas que mais vendem discos em Brasília. Ontem à tarde, as principais lojas tinham esgotado todo o estoque do grupo.

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