São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996 |
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Uma cura para o tumor universitário
ROBERTO ROMANO
Todos os anos, milhões de dólares -verbas públicas- são aplicados nas fundações universitárias e exteriores aos campi, no mais rigoroso silêncio. Certas fundações nem sequer respondem diante dos conselhos universitários, constituindo verdadeiras caixas pretas nos campi. Existem agências que operam corretamente, do ponto de vista formal, mas elas usam o segredo para acolher, selecionar, vetar, manter e reproduzir projetos. A norma, hoje, nas maiores e melhores agencias públicas de financiamento à pesquisa é o anonimato. Ninguém, entre os contribuintes -e mesmo nos poderes Legislativo, Executivo, Judiciário- sabe o nome de quem propõe um projeto. Também não se divulga a sua característica, em termos de valor científico, técnico e social. Ninguém sabe o nome do assessor que acolheu, negou, ou exigiu mudanças no mesmo projeto. Todos ignoram o montante, em termos financeiros, do mesmo. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), de modo digno de elogios, começou a romper esta cortina de silêncio, divulgando os nomes dos projetos e o seu custo. Mas isto é insuficiente. Não raro, os resultados da pesquisa terminam em gavetas sigilosas, sem que o público -especializado ou não- conheça seus frutos. Só os dirigentes das mencionadas agencias têm acesso à totalidade do procedimento. E quantas perseguições assessores incógnitos estabeleceram contra adversários, sem que estes tivessem direito de defesa! Quantos projetos importantes em termos científicos foram negados, em nome da "ética" e do "segredo"! Quanto dinheiro público foi gasto sem retorno significativo! O mesmo ocorre com as revistas científicas que empregam o anonimato. Ninguém sabe quem propõe um texto, quem o aprova ou rejeita. E estas revistas usam recursos estatais. Se uma instituição privada mantém segredo sobre seus assessores e seus candidatos, nada se pode dizer. Mas é intolerável que fundações e revistas, manipulando verbas públicas, mantenham sigilo diante do contribuinte e das autoridades. Quem movimenta milhões de dólares possui algumas centenas para instituir informativos, destinados ao público, aos governantes, à imprensa, à comunidade acadêmica, para dizer quem propõe um projeto, expondo algo sobre a sua relevância científica e social e indicar quem o recomenda ou o rejeita, o tempo previsto para sua realização, o bom termo ou não de sua empreitada. Em ciência, é sagrado o direito de errar. Um projeto excelente pode ter bases falhas, ou inconsistências metodológicas. Isto não o desqualifica diante das comunidades acadêmicas. Mas que estas últimas -além dos contribuintes e seus representantes- possam ter uma idéia correta da real extensão do que se faz e do que se gasta em pesquisa. Dizem que acabar com o segredo no julgamento "ad hoc" e nos comitês é incentivar a divisão e os ódios nos campi. Sofisma confortável. Ódios surgem quando determinado pesquisador sério apresenta um projeto competente e este é recusado porque contraria os ideais do assessor. A decepção impera quando o candidato recebe um parecer elogioso, mas acompanhado da simples desculpa: "faltam verbas". Se ele pudesse comparar os projetos que receberam auxílio com o seu, ele se conformaria com a melhor qualidade dos projetos concorrentes, ou apelaria, de imediato, aos responsáveis. Isto é trabalhoso, como a democracia, mas é realmente ético, científico, respeitável. Os docentes participam de bancas públicas. Eles devem avaliar os trabalhos. Bancas, muitas vezes, são balcões de negócio: "Eu aprovo teu aluno e tu aprovas o meu, com notas excelentes". É o famoso "Do ut des", ou "é dando que se recebe". Mas se houver perseguição excessiva, o candidato impugna a banca, dentro das normas do direito. Quem aprova uma tese medíocre, torna-se co-autor. Assumir a democracia rigorosa nas bancas e nas fundações destruirá tumores que infectam a universidade. Não apresento um problema pessoal. Nunca tive um só projeto de pesquisa negado. O que proponho surge da reflexão sobre a comunidade universitária. Trata-se de um campo vastíssimo de interesses políticos, econômicos, ideológicos. Veja-se o caso atual do Pronex (Programa de Centros de Excelência). No sigilo, certos grupos receberam, com antecedência, todos os informes antes das próprias autoridades acadêmicas. Quando estas últimas tiveram acesso aos objetivos, às normas, aos prazos, faltavam poucos dias para o encerramento das inscrições. Tal procedimento é pouco científico e democrático. O primeiro passo é obrigar a prestação de contas, pelas fundações, aos conselhos e ao público. O segundo, é instituir, com a autonomia, uma Comissão de Controle Externo das Universidades -oficiais ou particulares e confessionais-, em que se alocam recursos públicos. Os centros que não puderem provar que suas verbas foram empregadas em atividades afins ficarão sem recursos. Esta comissão deve ser a mais ampla, incluindo membros das mais variadas faces da sociedade civil e dos poderes estatais. Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch Próximo Texto: A lição de Chiapas Índice |
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