São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1996
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A EXTRAVAGÂNCIA DE VERSACE

GABRIELA MICHELOTTI

O costureiro italiano comemora 20 anos de sua grife, abre uma loja no Brasil e diz à Revista que a normalidade é um tédio
"Ter um estilo exuberante e extravagante para mim não é necessariamente uma crítica negativa. A normalidade para mim é um tédio"
A consultora de moda ítalo-brasileira Costanza Pascolato afirmou uma vez que, na Itália, as mulheres finas dizem não gostar de Versace, mas é a grife que todas as outras italianas querem vestir. Ou seja, que o bom gosto nos perdoe, mas Versace é fundamental.
A frase reflete bem o status atual da marca Versace, que está completando 20 anos neste mês.
Excluindo-se algumas classudas e outro tanto de críticos que acham o estilo Versace de mau gosto, ninguém mais, de Madonna à Claudia Schiffer, passando pela princesa Diana, resistiu ao estilo do italiano Gianni Versace.
Sua peruíce sexy, com roupas coloridíssimas e um pé no kitsch e outro na vanguarda, tornou-se quase uma unanimidade. Sua última aficionada é Lisa Marie Presley, filha de Elvis, modelo escolhida por Gianni para a campanha de sua nova coleção, que estará, ainda neste mês, na recém-inaugurada loja Versace em São Paulo.
Quando recebeu o convite do estilista, a ex-senhora Michael Jackson afirmou que jamais recusaria um pedido dele, apesar de não querer ser modelo.
História
A marca Versace começou a fazer história com suas famosas coleções femininas inovadoras, como a que usou roupas de metal em 1982 e a coleção de roupas de couro, primeira na história da alta costura, agora um clássico de Versace.
Hoje a maison Versace também conta com uma consistente coleção masculina, que tem entre os fregueses famosos Elton John e o jogador argentino Caniggia, e a marca teen Versus, de preços mais acessíveis, para um público jovem, na linha do Empório Armani, de Giorgio Armani, e da MiuMiu, da Prada.
O império Versace ainda tem uma vasta produção de acessórios, perfumes, artigos para a casa e até guarda-chuvas, com um faturamento bruto no ano passado de 1.515 bilhões de liras italianas (quase US$ 1 bilhão).
Nada mal para quem começou desenhando para a pequena loja de roupas de sua mãe, na Calábria, sul da Itália.
Em 1972, Versace recebeu um convite para ir a Milão desenhar a coleção de uma desconhecida Florentine Flowers, e, depois de trabalhar para grifes como Genny e Complice, em quatro anos fundou sua própria maison.
A maison Versace tem mais duas figuras centrais. Uma delas é Santo Versace, irmão do estilista e co-fundador, que cuida da parte administrativa.
Foi nos calcanhares de Santo que a operação Mãos Limpas italiana, que combateu a corrupção generalizada no país, fincou os dentes, cobrando uma multa de US$ 130 mil, em junho deste ano, por suborno de fiscais da receita.
O outro braço de Gianni é sua irmã Donatella, que dirige a marca Versus. É ela quem dá sempre a última palavra nas decisões da maison. Gianni, por exemplo, cancelou o lançamento do perfume Blonde, que já estava com a campanha publicitária pronta, porque não foi aprovado por Donatella.
Em entrevista exclusive à Revista da Folha, Gianni Versace conta como é o seu relacionamento com seus irmãos, responde aos críticos e dá alfinetadas no mundo da moda.

O que você diz da crítica que fazem ao seu estilo?
Cada um tem sua opinião e deve ser respeitado por isso. Ter um estilo exuberante e extravagante para mim não é necessariamente uma crítica negativa. A normalidade para mim é um tédio. Sempre quis romper regras e o "diktat" da moda, e isso pode ter incomodado quem gostaria de ver as coisas sem mudanças por anos e anos.
Mas não concordo quando dizem que meu estilo é de mau gosto. Ficaria muito perplexo, por exemplo, se alguém dissesse que Lady Di não tem bom gosto. E ela veste Versace.
Como é sua relação com seus irmãos?
É uma relação muito boa, que cresce em solidez e colaboração profissional. Santo cuida da parte administrativa. Donatella lidera a marca Versus e é minha principal conselheira.
Sempre pergunto sua opinião, para ter um ponto de vista feminino. Como qualquer relacionamento entre irmãos, é normal que algumas vezes surjam alguns conflitos. Mas sempre resolvemos bem, porque somos muito unidos um ao outro.
Suzy Menkes, a poderosa crítica inglesa de moda do jornal "International Herald Tribune", escreveu a respeito de seu último desfile que seu show de top models mostrando corpos maravilhosos estava se repetindo como um disco riscado. Você está repetindo sempre a mesma fórmula?
Absolutamente. Busco sempre renovar, e me renovar continuamente, não apenas caindo na banalidade, mas propondo coisas novas, com pesquisa e reelaboração das tradições e o uso de novos materiais tecnológicos.
Para ser criativo, deve-se correr riscos. Não tenho medo das mudanças que virão, nem de correr os riscos necessários. Com isso, neste mês, a Versace completa 20 anos. Sempre procurei olhar para a frente, orientando a mim e ao meu trabalho para o futuro.
Giorgio Armani afirma que é muito mais fácil fazer roupas para homens. Qual a sua opinião?
Para mim é muito mais fácil desenhar para mulheres. As formas femininas, em comparação com as formas rígidas dos homens, me dão muito mais liberdade para experimentações e fantasias.
Qual é a mulher ideal para vestir Versace? Para que tipo de mulher você cria?
Não tenho em mente uma mulher particular quando desenho. Penso na mulher de hoje, determinada, segura de si e que não renuncia a sua feminilidade. Gosto de mulheres que sabem se reinterpretar, com simplicidade e ironia.

'Luto para combater as velharias, o status quo e o terrível mal que é a presunção. Eu inventei isso, inventei aquilo. Bem ou mal, todos nós utilizamos coisas que já foram criadas antes"

Gosto da princesa Diana, por exemplo, assim como de uma personagem totalmente diferente, Madonna. Gosto dos extremos, dos contrastes, do "chic" e do básico, do simples e do complicado, de um mix que esprima liberdade. É isso que minha moda exprime. Cada um pode encontrar aquilo que mais gosta em um Versace.
É verdade que Milão se transformou, com o recente boom das marcas italianas (Prada, Dolce & Gabbana e Gucci) na principal capital da moda?
Milão é a cidade onde acontecem os desfiles de "prêt-a-Porter", mas Paris ainda é o símbolo da alta costura. Milão não é a única cidade ligada à moda, felizmente. Muitos novos estilistas estão migrando para Nova York, como a nossa linha Versus, porque Nova York é uma cidade jovem e de vanguarda, que se associa bem ao estilo Versus.
O que você pensa das marcas Prada e Gucci, que estão sendo consideradas as marcas que ditam a moda atualmente?
Penso que Prada e Gucci souberam propor uma linha estilística, mas, a meu ver, não são os únicos que ditam a moda. Isso é pensar a moda de uma maneira muito limitada e simplista. Não são só eles que estão fazendo um trabalho louvável.
Desde 1991 você lança seus livros da coleção Vanitas. (O primeiro foi Lo Stile dei Sensi, seguido por um novo lançamento a cada seis meses). O que eles representam para você?
Certamente não acho que eu seja um escritor. Faço aquilo que sei fazer melhor, que é desenhar roupas. Considero os livros que publico um pouco como meus diários fotográficos, que percorrem fases da minha vida e do meu trabalho, acompanhados de algumas considerações escritas.
O que você pensa de Ocimar Versolato?
Acho que tem idéias interessantes, na linha de Lavin.
Quais são seus estilistas preferidos?
Tenho muita estima por Karl Lagerfeld, Jean-Paul Gautier, Issey Miyake, Helmut Lang e Azzedine Alaia.
Você não acha que a moda dos anos 90 perdeu a criatividade com todos esses revivals dos anos 60, 70, 80...?
A minha curiosidade com o futuro e o meu lançar-me sempre para a frente seriam frios se eu não tivesse uma percepção histórica, o prazer do passado. Sou assim também na moda. Luto para combater as velharias, o status quo e o terrível mal que é a presunção. Eu inventei isso, inventei aquilo. Bem ou mal, todos nós utilizamos coisas que já foram criadas antes.
Você sempre fez colaborações para cinema, teatro e ópera, e em suas roupas a arte é um tema frequente. Qual a sua ligação com a arte?
Há anos venho explorando o território de uma possível colaboração entre arte e moda porque estou convencido de que o meu trabalho artesanal, integrado à arte, pode ao menos aproximar-se do valor e da credibilidade que goza uma expressão artística.
Gosto muito de fazer trabalhos baseados em pintores. Já fiz roupas com influências cubistas e expressionistas. Também me sinto atraído pelo construtivismo russo, pelas Bauhaus e Pop Art, por Roy Lichtenstein e pela arte contemporânea americana e pela italiana.
Como foi trabalhar com Lisa Marie Presley?
Ela é uma mulher moderna, sob todos os aspectos. Trabalhar com ela foi muito agradável e divertido.
Qual sua modelo preferida?
Não tenho uma preferida. Cada uma das modelos que trabalham comigo representa uma parte do universo feminino e mostra meus vestidos segundo sua própria personalidade.

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