São Paulo, terça-feira, 15 de outubro de 1996
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Barbara Hendricks volta para cantar Mozart

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A soprano lírica norte-americana Barbara Hendricks, 47, estará pela segunda vez no Brasil, em novembro, com dois concertos no Teatro Municipal e um em Ribeirão Preto, na temporada do Mozarteum Brasileiro.
Mas não trará apenas sua voz -timbre absolutamente cristalino, com um desempenho raro nas notas mais agudas.
Trará também a mística da militante pelos direitos humanos, interessada nos meninos de rua e nos refugiados.
Eis os principais trechos da entrevista que deu ontem à Folha, por telefone, da Suíça, onde mora.
*
Folha - Em sua turnê de novembro, ao Brasil, a sra. cantará apenas Mozart: sete árias ao todo. Por que esta opção?
Barbara Hendricks - Eu antes de mais nada adoro Mozart e estas árias, especificamente. Mas há também uma coincidência: há dois anos, foram igualmente árias de Mozart que eu interpretei, em Praga, sob a direção do maestro christian Benda.
Eu e ele achamos que seria conveniente repetir, agora, uma fórmula que já havia tão bem funcionado.
Folha - Uma soprano, para provar que possui uma grande voz ou que mantém a voz com que é conhecida, prefere peças italianas da primeira metade do século 19. Mozart acabou se tornando uma opção quase atípica.
Hendricks - É verdade. Mas, de meu ponto de vista, é muito mais "saudável" interpretar Mozart. Sinto-me artisticamente realizada com a música dele.
Folha - Além do final do século 18, a sra. também é hoje uma das grandes intérpretes de "As Quatro Últimas Canções", de Richard Strauss, um compositor do século 20. Que outras sopranos cantam estas peças, a seu ver, tão bem?
Hendricks - (risos) Se eu consigo cantar bem estas canções, é porque sinto por elas grande afinidade. Mas minhas intérpretes favoritas dessas peças de Strauss continuam sendo Lisa Della Casa e Elizabeth Schwarzkopf.
Folha - Qual dos grandes maestros com quem a sra. trabalhou, com qual talvez tenha aprendido mais sobre música?
Hendricks - Eu sempre aprendo bastante com todos, mesmo aqueles que são bem menos conhecidos. Mas eu diria que foi com Karajan que vivi momentos de grande afinidade artística. Não que eu fosse considerada, por ele, como uma aluna de master class. Ele sempre me tratou como uma artista adulta.
Mas a verdade é que ele me transportava em direção a uma concepção unificada da interpretação. Então nos tornávamos interessados nas mesmas ênfases, nas mesmas idéias contidas na música. Havia uma afinidade sobre as cores, a pronúncia das frases, a dinâmica.
Folha - A sra. se refere a alguma gravação específica com ele?
Hendricks - Por certo "Turandot" (de Puccini).
Folha - A sra. já atuou no cinema em 1988, interpretando Mimi, de "La Bohème", sob a direção de Luigi Comencini. Foi uma experiência isolada?
Hendricks - Eu adoro fazer cinema. Pena que seja um tipo de produção tão caro! Há uma crise de financiamento das artes, e infelizmente isso traz um comedimento maior dos produtores.
Mesmo assim, cinema é algo que já sei que consigo fazer bem e que continuo com vontade de fazer.
Folha - Num filme, a sra. consegue atingir um público muito maior. Outros cantores, e eu penso em "Os Três Tenores", procuram o mesmo por meio de megaeventos. Seria também a sua receita?
Hendricks - Em minha vida, sempre gostei de cantar música de gêneros variados, alguns deles bem mais populares que a ópera, como música da Broadway.
Para alguém que nasceu nos Estados Unidos isso é normal. Não tenho nada particularmente contra "Os Três Tenores", desde que eles o façam com competência. Mas como há tantos que fazem isso muito bem, prefiro ficar em meus repertórios.
Folha - O jazz ocupa um lugar importante em seu histórico.
Hendricks - É verdade. Quando meu repertório é o jazz, considero satisfatório que gostem de minha interpretação, sem necessariamente se lembrarem que sou uma cantora lírica que eventualmente envereda por um outro tipo de música.
Folha - Quando está em casa, que tipo de música gosta de ouvir?
Hendricks - Gosto muito de música de câmara e também de jazz.
Folha - Gostaria de tocar profissionalmente algum instrumento?
Hendricks - Eu toco piano, mas toco mal. O piano entrou em minha vida muito tardiamente, quando eu já estudava na Julliard. Gostaria de tocar piano melhor.
Folha - Em janeiro último, na noite em que François Mitterrand morreu, a sra. foi escolhida para cantar, na praça da Bastilha, "Le Temps des Cerises", uma velha canção revolucionária francesa. A sra. se considera de esquerda?
Hendricks - Eu, definitivamente, me considero como alguém de esquerda, no sentido em que os valores da esquerda estão muito mais voltados para a solidariedade, para a igualdade de oportunidades.
Folha - E qual a relação entre suas idéias e o fato de ser uma "embaixadora" do Alto Comissariado para Refugiados da ONU?
Hendricks - As coisas se convergem. Não é possível ignorar o desrespeito aos direitos humanos. As pessoas estão hoje ideologicamente perdidas, tendem a se tornar egoístas, pensando em seus próprios problemas. Esquecem-se de que há injustiças diante de seu nariz.
Há uma necessidade muito grande em se demonstrar solidariedade. As vítimas mais extremas são os refugiados.
Folha - Digamos que um dia a sra. precise parar de cantar. Continuará a ser uma militante?
Hendricks - Daqui a uns 15 anos eu certamente já não estarei com minha voz em forma. Mas é claro que, como ser humano, continuarei a trabalhar por minhas idéias.

Concerto: Barbara Hendricks (soprano), com a Orquestra de Câmara de Praga, dir. Christian Benda
Quando: 27 e 28 de novembro
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo s/n.)
Programa: árias de quatro óperas de Mozart
Ingressos: informações no Mozarteum (tel. 815-6377), a partir do dia 11 de novembro

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