São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 1996
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Diretor acerta em "besteirol de vanguarda"

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Espanta em Gerald Thomas a capacidade de extrair teatro do nada. Sem que o espectador tenha uma idéia mais precisa do que está se passando, sem que se dê conta do fio ou da meada, vê-se constantemente sobressaltado, eufórico, ofendido, tenso, prestes a cravar as unhas no braço da poltrona ou do cidadão ao lado.
Mas não é do nada, obviamente, que o diretor extrai essa notável capacidade de instaurar uma atmosfera de mobilização na platéia, de deixá-la em estado de alerta, de rejeição ou de incômodo fascínio: Gerald é um virtuose da cena, um ás na arte da encenação.
Para quem vê no "verdadeiro teatro" o império do sentido do texto, ele pode parecer um mentiroso, um mero colecionador de imagens e citações, um "pós-modernista" que perdeu a visão da história.
Se é um exagero dizer que no seu teatro a palavra é mero álibi para a cena, também é verdade que, mesmo tendo um peso específico, ela não é a maior responsável pelo brilho do que está no palco.
Ao menos não é no sentido tradicional -nunca fiz essa experiência, mas não creio que estejamos diante de um grande autor para leituras.
Gerald está em outro lugar -e em todos: é luz, cenário, cinema, música, TV, pornografia, artes plásticas, erudição, clichê. Ilumina como relâmpago, não como farol.
É um autor do seu tempo, um cronista corajoso, livre e bem-humorado do jogo contemporâneo das linguagens.
É também ator -embora nesse ramo chame-se Luiz Damasceno. Principal intérprete do diretor, Damasceno é co-autor -e homenageado- em "Nowhere Man", a peça que volta ao palco do Sesc.
Nela, há um pouco de tudo isso, mas há principalmente uma vontade, já previamente anunciada, de mergulhar no humor: Gerald lançou a peça como "assumidamente uma comédia popular".
O tema do espetáculo está no título. O homem sem lugar, o personagem atordoado de um mundo internacionalizado: Cuiabá, Nova York, Chico Buarque cantado em sueco, Internet, TV a cabo e globalização.
O personagem é também, como sempre, o teatro -o trabalho do ator, a relação com o diretor etc.
Criado e montado em tempo recorde para o Festival de Curitiba, "Nowhere Man" tem momentos realmente engraçados. Consegue sustentar em um palco, como de hábito muito bem montado, o humor perverso e tenso de seu autor -que não dispensa toques de "nonsense", à la Monthy Python.
Não deixa, porém, de ter irregularidades: em certos momentos, um crítico bem-humorado poderia ver no espetáculo o nascimento de um novo subgênero: o besteirol de vanguarda.

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