São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 1996
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FHC e as viúvas IBC

LUÍS NASSIF

Em meados da década de 30 foi inaugurada a prática de interferências administrativas do governo no mercado de café.
A primeira interferência resultou no primeiro escândalo, envolvendo o então presidente da Associação Comercial de Santos.
O episódio é relatado pelo próprio presidente Getúlio Vargas, em seu diário, recentemente publicado.
A pretexto de defender a cafeicultura -dizia ele- obrigava-se o governo a tomar medidas que acabavam vazando e beneficiando meia dúzia de espertos, em detrimento do país como um todo.
Em 1952, o então ministro da Fazenda Oswaldo Aranha comandou nova operação visando aumentar artificialmente as cotações internacionais de café.
A operação deu para trás e foi um dos episódios que ajudou a desgastar definitivamente o governo Vargas.
Nos anos 60, novas operações de interferências oficiais no mercado foram comandadas pelo advogado Saulo Ramos, trabalhando para a firma Wallace Simonsen.
Novo escândalo, que desaguou na abertura de uma CPI, em uma ação judicial do BB contra Saulo e no suicídio de duas pessoas envolvidas na operação -entre eles um vice-presidente do BB, vítima inocente desse jogo de graúdos.
No início dos anos 70, as operações especiais com café se constituíram em um dos episódios a desgastar a atuação do então superministro Delfim Netto.
Em 1988, no governo Sarney, nova operação com café resulta em um dos grandes escândalos do ano. Em 1991, no governo Collor, o mesmo golpe leva a novo escândalo.
Em todos os casos, a mesma operação. O controle administrativo da área permitindo a autoridades se acertarem com operadores, prepararem medidas de impacto visando rápida valorização do produto.
Em seguida, a esperteza voltando contra o país, na forma de escândalos que afetavam a autoridade pública, e quedas de preços do café, que se refletiam sobre a atividade econômica.
Repetição
Parece que não se aprende nunca. Na semana passada foi assinada medida provisória sobre o café -preparada pelo polêmico ministro da Indústria, Comércio e Turismo, Francisco Dornelles- recriando as mesmas condições que possibilitaram, durante décadas, interferências espúrias nesse mercado.
A MP recria o Conselho Nacional de Café, composto por membros do governo e da iniciativa privada, presidido pelo indefectível Dornelles, incumbido de administrar o estoque de 17 milhões de sacas do Funcafé.
A MP cria dois riscos efetivos para o governo.
O primeiro é que, cada movimentação desses estoques se refletirá sobre as cotações do café. Qualquer vazamento de informação afetará o mercado e beneficiará setores.
Com o próprio ministro presidindo o CNC, é grande a possibilidade de ações inesperadas respingarem sobre o governo como um todo.
O segundo risco é o fato de a MP mostrar, pela primeira vez, o governo tomando posição em favor de setores anacrônicos.
Nos últimos anos, o fim dos controles administrativos permitiu o florescimento de uma nova geração de empreendedores, que se fizeram ao largo dos favores oficiais.
É provável que o presidente da República tenha sancionado a MP sem apreciar seu conteúdo -de tal modo ela conflita com os princípios básicos de seu governo.
É importante que não a sancione sem apreciar a fundo seu conteúdo.

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