São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 1996
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São Paulo vive febre Basquiat

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

A febre "Basquiat" toma conta de São Paulo a partir de hoje. A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo selecionou o filme de Julian Schnabel sobre o artista plástico norte-americano para abrir hoje, para convidados, a 20ª edição do evento, com a presença do ator protagonista, Jeffrey Wright (leia mais sobre a Mostra em caderno especial que circula hoje com a Folha).
Também é possível ver sete telas do artista expostas na 23ª Bienal, no parque Ibirapuera. Para completar, no dia 29, a galeria Luisa Strina abre mostra de desenhos e gravuras de Basquiat.
O hype não é exagerado. Jean-Michel Basquiat (1960-1988) produziu uma das mais instigantes obras dos anos 80, interrompida pela morte trágica do artista, em 12 de agosto de 1988, vítima de um coquetel de heroína e cocaína.
Em sua curta e fulgurante carreira nas artes, Basquiat foi acompanhado de perto por dois amigos, o artista pop Andy Warhol e o galerista Bruno Bischofberger, que o representou durante oito dos nove anos de sua carreira.
Bischofberger é também o curador responsável pelas sete telas de Basquiat na Bienal.
Em entrevista à Folha, por telefone, de Zurique, Bruno Bischofberger comentou sua relação com Basquiat, o filme de Schnabel, os trabalhos que selecionou para a Bienal e a obra do inglês Damien Hirst, um artista que, segundo ele, tem um impacto sobre os anos 90 semelhante ao de Basquiat sobre os 80.
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Folha - Os sete Basquiat da Bienal pertencem a sua galeria?
Bruno Bischofberger - Alguns trabalhos são de coleções particulares. A seleção que foi ao Brasil são alguns dos melhores Basquiat do mundo. Nenhum deles está à venda, nem mesmo os de minha galeria.
Folha - Não vemos muito sua relação com Basquiat no filme de Schnabel...
Bischofberger - O filme "Basquiat" é, em grande parte, uma ficção. Não é um documentário. Julian Schnabel fez um filme autobiográfico, embora baseado em Basquiat, em sua curta vida, grande obra e trágico fim.
Minha relação com ele era muito próxima. Encontrei-o no final de 1981. E em maio de 1982 já era seu representante em todo o mundo, isso até a sua morte. Entre 1983 e 1985, dividi essa exclusividade com Mary Boone, galerista de NY.
Ele veio à Suíça umas nove vezes, com certeza. Viajei muito com ele, organizei mostras suas em museus do mundo inteiro. Ele desejava muito expor na África, pois queria mostrar suas obras no lugar onde estavam suas raízes. Organizei assim com amigos sua mostra em Abidjã, na Costa do Marfim. Viajamos muito juntos.
Folha - Você gostou de ser interpretado por Dennis Hopper no filme "Basquiat"?
Bischofberger - Não acho que foi uma interpretação. Ele estava tentando mostrar como eu era, mas... Eu conheço Dennis Hopper há 25 anos, como ator e colecionador de arte. Quando ouvi que ele iria me interpretar, não gostei muito, pois ele sempre faz papéis de gente ruim e eu não gostaria de ser apresentado como uma pessoa ruim. Ele nunca ri no filme, e eu me considero um homem cheio de humor.
Aliás, todos os galeristas são retratados de maneira não muito correta. Eu ainda sou poupado. O pior ficou para a galerista Annina Nosei, que é uma pessoa muito sofisticada, mas foi retratada como uma estúpida. Schnabel não foi muito simpático com os galeristas.
Ele colocou dois ou três clichês na minha boca que eu nunca teria dito. Acho que sou muito discreto para dizer "Você não está sendo bem representado. Por que você não vem para a minha galeria?", como meu personagem disse no vernissage de Jean-Michel. Isso é absurdo! Eu nunca diria isso.
Mas o filme, como um todo, é muito interessante, principalmente quando se pensa que é o primeiro filme de um pintor.
Folha - Era fácil trabalhar com Basquiat?
Bischofberger - Ele era ótimo, mas nem sempre era fácil lidar com ele. Ele era um negro em Nova York e, às vezes, ficava um pouco paranóico com a aproximação de certos brancos. Ele era extremamente inteligente e um homem de grande curiosidade, que se interessava por tudo.
Basquiat adorava jazz e música pop. Chegou a aprender um pouco sobre música clássica européia dos séculos 18 e 19 e imediatamente se envolveu com o assunto. Tinha um excelente gosto e sabia o que era bom.
Era muito sofisticado, "cool", uma pessoa maravilhosa. Tinha problemas com as drogas e isso perturbou sua vida, principalmente no último ano. Ele tentou escapar disso, mas não conseguiu. Ele tinha planos de voltar a Abidjã para viver ali por uns seis meses sem precisar de drogas.
Folha - Você poderia indicar um artista com grande potencial nos anos 90?
Bischofberger - Ainda não trabalhei com ele, mas gostaria de citar um. Até o momento apenas colecionei seus trabalhos, mas na próxima primavera (outono no Brasil) farei uma mostra sua. Isso depois de quatro anos de espera. É o inglês Damien Hirst.
Acho que ele está marcando nosso tempo como nenhum outro artista. Muitos o conhecem apenas por um ou dois trabalhos que ele realizou com animais partidos ao meio e que causaram escândalo. Conheço ele muito bem e sei que ele não está interessado em provocar escândalos.
Folha - Mas Hirst não está preocupado apenas com a relação comercial com a galeria? Ele não está pensando apenas em dinheiro?
Bischofberger - De forma alguma. Ele está apaixonadamente interessado em seu trabalho, mortalmente preocupado com sua arte, como todos os grandes artistas.
O fato de uma galeria vender seus trabalhos -e veja que minha galeria não vende seus trabalhos- e de muitas pessoas estarem interessadas nele cria muitos ciúmes entre os artistas e muitas histórias.
Veja o que aconteceu com Warhol, Lichtenstein, Stella, Twombly, todos os grandes artistas desde os anos 60. Hoje existe um grande entusiasmo pelo trabalho deles, mas o grande artista está interessado em seu trabalho. E Damien Hirst é certamente um deles.
Eu não preciso defendê-lo, porque ele não é um artista da minha galeria. Farei essa mostra apenas porque adoro o seu trabalho.

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