São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
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Infratores de SP não temem redução da idade penal

DA REPORTAGEM LOCAL

Adolescentes internados na UE-5 (Unidade Educacional) -para infratores graves- do quadrilátero da Febem do Tatuapé (zona leste de São Paulo) afirmam que não sairão recuperados.
Eles dizem também que não se importam com a proposta de diminuição da idade penal porque continuariam cometendo infrações caso ela fosse aprovada.
A Folha percorreu o quadrilátero na semana passada. Foram visitadas unidades consideradas graves (com casos de homicídio, latrocínio e estupro, por exemplo) e médias (uso de drogas, furtos e pequenos roubos, por exemplo).
"Isso aqui não recupera ninguém. A gente vive como bicho", disse F.J.M., 17, internado na UE-5, acusado de latrocínio (roubo seguido de morte).
A unidade tem capacidade para 60 garotos, mas abriga 63. Os menores dormem em quartos que chamam de "barracos".
Nos barracos -que têm apenas um visor na porta que dá acesso ao corredor e que permanecem trancados à noite- dormem dois adolescentes.
O banheiro coletivo da unidade não tem papel higiênico e o mau cheiro invade os quartos.
Sabonetes, quando há, são divididos ao meio e cada metade tem de durar pelo menos dez dias nas mãos dos internos.
"Se tiver de entrar na vida do crime, ninguém liga para a idade que tem", disse M.M.C., 18.
Já adolescentes com idade entre 14 e 16 anos e internados em uma unidade de infrações médias dizem que pretendem se recuperar.
"Eu quero sair daqui e mudar de vida", disse J.R.V., 16, que está internado há dez meses na UE-16.
Ele também não acredita que o rebaixamento da idade penal vá diminuir os atos infracionais. "A Febem é a mesma coisa que a cadeia. Quem tem medo de uma tem da outra. Não é isso que impede o crime."
O presidente da Febem, Eduardo Roberto Domingues da Silva, reconhece que o sistema de recuperação proposto pela instituição não está "sintonizado" com a realidade legal do país.
"Depois do advento do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em vigor desde julho de 1990, toda a estrutura de execução das medidas socioeducativas a cargo da Febem não tem mais sintonia com a nova realidade legal e com o projeto de recuperação da instituição", afirmou Silva.
Ele aponta a concentração da quase totalidade dos menores infratores do Estado no quadrilátero do Tatuapé e nas unidades da Imigrantes, ambas na capital, como um dos maiores "equívocos" do sistema de internação da Febem.
"Os complexos do Tatuapé e da Imigrantes são os dois pilares de sustentação da Febem, na área de privação de liberdade. Eles concentram a população juvenil de todo o Estado. Esse é o equívoco porque os meninos do interior são transferidos para São Paulo e perdem o contato com a família, com a comunidade. Perdem também oportunidade de terem acompanhamento de um advogado", afirmou o presidente da Febem.
Além da concentração, Eduardo Silva diz que a superlotação é o outro problema grave da Febem. "Quando a superlotação atinge o nível que atingiu (20,6% nas unidades de infratores), não há possibilidade de dar um tratamento minimamente adequado. O que acontece é que há uma convivência muito negativa entre os meninos internados".
Segundo Silva, "a convivência prolongada entre adolescentes que vêm de áreas tão distantes acaba reforçando a perspectiva de reincidência (hoje de 39,8%). Acabam se formando grupos e gangues dentro das unidades".
O presidente da Febem disse que a instituição pretende iniciar a descentralização da internação de infratores construindo 13 miniinternatos no interior. O orçamento do empreendimento, que por enquanto está no papel, é de cerca de R$ 13 milhões.

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