São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Antarctica' revela nova língua da arte brasileira

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Assim como as esculturas em comprimidos de aspirina do artista Tom Friedman, 30 -representante da Universalis na Bienal-, traduzem um frescor na produção norte-americana contemporânea, alguns artistas da mostra "Antarctica Artes com a Folha" começam a pronunciar uma nova língua da arte brasileira.
É uma língua com muitos e sonoros sotaques, sedutora a ponto de atrair projetos como este, além do interesse de curadores e críticos internacionais.
O mapeamento da mina dos artistas emergentes no país atrai pela vigorosa maturidade da arte nacional. Afinal, a arte no Brasil tem uma história longa e consistente, com tradição fincada no barroco -que, por exemplo, inexiste nos EUA. Além disso, desde 1951 as bienais têm garantido uma intimidade com a arte mundial.
Por causa do teto de 32 anos de idade para os artistas -o que rendeu uma fervorosa polêmica-, o "Antarctica Artes" assumiu um tom definitivamente geracional.
Percebe-se, dessa geração, que ela soma influências de uma linguagem contemporânea universal a uma ancestralidade que incorpora tons regionais e fortes referências autobiográficas.
Com 62 artistas à mostra, o "Antarctica Artes" é de fato uma exposição plural. E essa pluralidade não está focada na utilização diversa de linguagens ou meios, mas sim no teor poético da obra. A decisão mediunística torna-se pessoal, a obra é construída com fluência e liberdade.
Eis que "o meio é a mensagem", pronunciado por Marshall MacLuhan nos anos 60, parece estar hoje invertido.
Os artistas
Discursos poéticos focados na cultura popular brasileira estão na obra performática de Cabelo. Em sua "Celalópode Heptópode", pessoas encapuzadas ao redor de um aquário tentam "pescar", usando como varas olhos que saltam do próprio capuz.
Sintetizando uma herança que inclui de Macunaíma a Arthur Barrio e Tunga, ele expõe o lado desconcertante e bizarro das ações humanas.
O baiano Marepe, 26, revisita a organização estética das barraquinhas de vendedores ambulantes.
Irônicas instalações como "Songa da Mironga do Kabuletê" compõem um completo kit desse universo, onde uma armação de guarda-chuva com cartões telefônicos formam um móbile sui generis.
Fascinado pelas roupas de cerimônias religiosas, Martinho Patrício, 32, cria "Danúbio Azul", em que compõe tecidos coloridos de cetim com rendas e cambraias.
Um importante caminho poético da mostra segue por obras em que a organização formal faz uso de matérias orgânicas, criando uma síntese entre a herança construtiva, formalista e serial, e uma carga emotiva, pessoal do artista.
Rivane Neuenschwander, 29, dá corpo a essa tendência com maestria. Ela compõe uma tapeçaria fluída e delicada, feita com peles de alho coladas a um tecido.
Roberto Bethônico, mineiro, 32, desenha um círculo no chão, feito apenas com sal grosso e ovos, que remetem diretamente à vida.
Tonico Lemos, 28, que já trabalhou com materiais como o patchuli, típicos do Pará, onde nasceu, cria "Fornos", obra com bolas de algodão queimadas dentro de ralos de ferro, e "Sopro", um tapete suspenso de algodão, desta vez alvo, soprado.
Erika Verzutti, 25, continua uma pesquisa sobre a cor da pele. Se antes ela criava um alfabeto idiossincrático feito com partes do corpo, agora enxerta o tom orgânico da pele a formas geométricas de blocos e tijolos, desenhados com fita adesiva preta sobre a tela.
Outra via de expressão pungente é aquela de tom intimista, auto-referente. Nela, Mônica Rubinho, 25, cria um arquivo íntimo feito com tecido bordado ou miniaturas de garrafas cheias de pó, olhos e palavras como "vem", "beijos", "reencontro".
Gabriele Gomes, 25, usa telas pintadas com leite e travesseiros costurados para apontar para as memórias do corpo. O paraibano José Rufino, 31, traça a saga de sua família, usando cadeiras quebradas e rolos de gesso.

Texto Anterior: Pintura ilustra música erudita no Itaú
Próximo Texto: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.