São Paulo, sábado, 19 de outubro de 1996
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Wenders está nas galerias

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

É bom se acostumar a ver Wenders nas galerias. A presente Bienal de São Paulo acerta na mosca ao incluí-lo entre sua quase centena e meia de artistas. Passa longe das telas de cinema hoje a produção mais interessante do diretor de "Paris, Texas" (1984).
Em maio do próximo ano, o Instituto Goethe desembarca no MIS de São Paulo uma das principais exposições fotográficas assinadas por Wenders, simplesmente batizada "Wim Wenders: Fotos". Trata-se de um conjunto de 29 fotografias em formato panorâmico (negativo 6 x 17) tiradas todas na Austrália, em 1977 e 1988.
Assim como as "electronic paintings" expostas na 23ª Bienal, também as fotos vinculam-se ao seu mais pretensioso filme dos últimos anos: "Até o Fim do Mundo" (1991).
Em ambas as mostras, seu desafio primeiro é estancar, ainda que provisoriamente, a inflação imagética contemporânea. "É melhor ter umas poucas imagens cheias de vida que massas delas sem sentido", já dizia o cineasta em "Tokyo-Ga" (1985).
As "electronic paintings" da Bienal combinam os dois Wenders, pré e pós-cinema, o jovem estudante de pintura e o veterano artista incerto quanto ao futuro do meio que o celebrizou. Assumindo como projeto próprio a defesa pelo crítico francês Serge Daney da pintura como meio ideal para "reensinar ao cinema a arte do olhar", Wenders em "Até o Fim do Mundo" retrabalhava imagens captadas em HDTV (TV de alta definicão) tendo por modelo maior um célebre quadro de Vermeer.
Seria possível falar ainda, nas obras da Bienal, da dívida para com Francis Bacon de "Sad Man 1#" ou da homenagem a Monet em "Paris" e a Signac em "Venice". Wenders, porém, reelabora a questão pintura-cinema para muito além do decalque.
O projeto wendersiano assemelha-se muito ao de Seurat. Enquanto o pintor fundou o pontilhismo como resposta técnica à liberação da pintura das amarras do real frente ao choque da modernidade, o diretor tateia em busca de um "pontilhismo eletrônico" que recupere alguma vida para as imagens contemporâneas frente ao impacto das chamadas imagens de síntese, produzidas em computador, que zeram o jogo, anulando o requisito de um original.
A pintura de Seurat e a "electronic painting" de Wenders têm em comum a afirmação dessa nova autonomia. Aquilo que escreveu Paulo Sérgio Duarte sobre o primeiro pode agora ser estendido ao segundo: para ambos, não se trata mais de "captar (...) um fenômeno externo", mas "fabricá-lo". Na superfície pictórica, por Seurat; na tela do computador, por Wenders.
A reordenação do olhar frente o caleidoscópio audiovisual contemporâneo é também o ponto de partida para a exposição "Wim Wenders: Fotos". Eis imagens sintonizadas com o clima apocalíptico de "Até o Fim do Mundo": cemitérios de carros, "drive-ins" abandonados, estradas vazias, desertos e mais desertos.
O formato panorâmico realça a irrecorrível solidão por meio de longos e enigmáticos horizontes. Excetuando a presença humana como formigas em duas fotos, tudo se passa como se Wenders fotografasse a Austrália após um ataque com bomba de nêutrons.
A civilização passou por lá, por certo, mas marcou a paisagem com objetos -e não com palavras, como Wenders antes mostrara, ao fotografar o interior dos EUA em "Written in the West" (Escrito no Oeste, 1986).
Se naquela primeira exposição Wenders trabalhava assumidamente na tradição de Walker Evans e Robert Adams, em "Fotos" o diálogo se estabelece sobretudo com os trabalhos em fotopaisagismo de mestres como os americanos Paul Caponigro e Emmet Gowin, por mais que Wenders renuncie aqui a toda pretensão autoral, afirmando-se "totalmente permeável". "Eu era essa paisagem", chega a afirmar no texto de apresentação da mostra.

LEIA MAIS sobre Wenders à pág. 4-3

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