São Paulo, sábado, 19 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Deus deu tudo a Nureyev: a musicalidade e o corpo perfeito'

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Ballet Kirov, que estréia hoje em Curitiba e terça-feira em São Paulo, chega ao Brasil com um grupo de quase 200 pessoas, incluindo a equipe técnica e o elenco de 120 bailarinos.
Entre eles está Nelia Kurgapkina, 67, que já faz parte da história do Kirov. Ex-bailarina, parceira de Nureyev durante três anos e de Baryshnikov quando ele estava no início da carreira, Kurgapkina hoje é uma das professoras mais importantes da companhia russa.
Nascida em São Petersburgo (na época Leningrado), ela estudou com Agrippina Vaganova (1879-1951), autora do famoso sistema didático que permitiu aos russos desenvolver seu excepcional virtuosismo técnico.
A seguir, trechos da entrevista de Kurgapkina à Folha.
*
Folha - Por que o método Vaganova é o melhor?
Nelia Kurgapkina - Nos anos 30, quando escreveu "Os Fundamentos da Dança Clássica", Vaganova estabeleceu uma verdadeira biblioteca que influenciou toda a geração que se seguiu.
Todos os fundamentos, a base do balé clássico, saíram deste livro. Foi uma grande compilação, que sintetizava os estilos e métodos de tudo o que havia no mundo, com as observações e modificações feitas por Vaganova, como o caso da pirueta.
O mundo todo absorveu seus princípios técnicos. Depois, é claro, houveram adaptações.
Ela havia iniciado um segundo volume, estava praticamente pronto quando morreu e os originais foram extraviados. É impossível resumir o que era. É claro que existe muita coisa que é passada verbalmente desde seu tempo por todos nós. Existe um treinamento Vaganova que é patrimônio da cultura russa e da Escola Kirov.
Folha - Como Vaganova trabalhava com os bailarinos?
Kurgapkina - Vaganova tinha um conhecimento profundo do corpo humano e do sistema de músculos que gera cada movimento, e isto lhe permitia dar instruções extremamente precisas.
Seu estilo de ensinar, que preservamos, fornece uma formação global. Forma um verdadeiro artista da dança, não apenas um bailarino. Ao mesmo tempo, exige dedicação total de quem o pratica. Por isso, o balé clássico é um sacerdócio para nós.
Folha - A senhora dançou com Nureyev. O que contribuiu para que ele se tornasse uma grande estrela?
Kurgapkina - Deus deu tudo a Nureyev: musicalidade, um corpo perfeito, coordenação, saltos, técnica, qualidades interpretativas e muita personalidade. Era perfeito!
Quando ele foi para o Ocidente, revolucionou a maneira de dançar. Também era muito preocupado com as parceiras, não somente com seus saltos monumentais. Gênio como ele só nasce um a cada século.
Folha - E Mikhail Baryshnikov? Qual a diferença entre ele e Nureyev?
Kurgapkina - Baryshnikov também era maravilhoso, a leveza era sua maior virtude. Mas, ele e Nureyev são personalidades totalmente diferentes. Misha se ocidentalizou muito, criando características próprias.
Folha - A atual geração de bailarinos é diferente das estrelas do passado?
Kurgapkina - Sim, principalmente com relação ao tamanho. Hoje temos bailarinas com 1,72 m de altura e isto era inconcebível meio século atrás. Também existe uma maior universalização, hoje sabemos o que acontece no mundo inteiro muito rapidamente. Isto nos dá oportunidade de crescer mais rápido como artistas.

Texto Anterior: Abujamra enfrenta o novo em 'O Professor'
Próximo Texto: Balé deve ser visto por 55 mil pessoas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.