São Paulo, sábado, 19 de outubro de 1996
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Propostas além do simplismo

MARINA SILVA

A criação dos territórios do Rio Negro e do Alto Solimões é uma tese antiga na literatura geopolítica dos militares e volta à cena neste momento, graças ao empenho de oficiais do Exército em revitalizar o Calha Norte.
Embora participe com muito interesse de comissão do Senado sobre o Calha Norte, não posso concordar que a criação de territórios seja a solução para a segurança da Amazônia. Primeiro, porque segurança implica fatores que vão além de estratégias militares. Segundo, porque os territórios cobririam apenas cerca de 25% das fronteiras. Terceiro, porque, mesmo não sendo território, a região foi escolhida como laboratório do projeto Calha Norte e já possui uma unidade para técnicos do Sivam. Quarto, porque os territórios demandariam investimentos burocráticos que não necessariamente revertem em segurança ou atendimento das populações locais.
O general Thaumaturgo Vaz, mesmo favorável aos territórios, reconhece que a revitalização do Calha Norte depende da vontade política do governo federal e não da criação de territórios. Da mesma forma, o governo poderia reverter o abandono do "povo do beiradão", no Alto Solimões. É verdade que o atual governo do Amazonas tem dificuldades -e pouco interesse- para administrar essa região. Mas como território, com governador nomeado, a população ficaria ainda mais enfraquecida.
Além do mais, a única área indígena no alto rio Negro já demarcada é a dos ianomâmis. As demais, com cerca de 35 mil índios, aguardam a ação da Funai. No alto Solimões, são mais de 1.700 comunidades, a maioria em processo de demarcação, que poderia ser dificultado com os territórios.
Por tudo isso, a questão da segurança não pode ser separada da crise social e econômica que atinge toda a região. O abandono das populações de florestas (que viviam do extrativismo da borracha e da castanha, hoje sem preço no mercado) faz com que elas acabem optando pela venda irregular de madeira, o garimpo predatório e, quem sabe, até o narcotráfico. Por que Estado e União não atuam em parceria para atender essas comunidades?
Nós temos apresentado propostas para essas populações -crédito especial e um fundo para o extrativismo- e estamos estudando uma alternativa de compensação para que Estados e municípios possam investir em unidades de conservação. Mas nada substitui as iniciativas do governo. E, com certeza, elas precisam ir muito além do simplismo de criar territórios e entender que, com isso, a "segurança" que interessa ao país estaria atendida.

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