São Paulo, domingo, 20 de outubro de 1996
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Vidas com rumo

ADRIANA VIEIRA; TOMAZ AUTRAN

ADRIANA VIEIRA
TOMAZ AUTRAN
Mariana Lima e Marcello Antony lideram a nova geraçõa de atores que começa a ganhar fama na TV
Precoces, bonitos e talentosos. Surge finalmente uma nova safra de atores brasileiros na televisão. Após uma fase de poucas revelações, desde a geração "Comédia da Vida Privada", essa "Jovem Guarda" promete levar adiante a dramaturgia nacional.
Aos 24 anos, Mariana Lima pode ser considerada o símbolo dessa nova linhagem. A atriz paulistana invadiu o universo carioca das novelas, com a triste Liliana de "O Rei do Gado", da Rede Globo. E surpreendeu.
"Mariana é, sem dúvida, uma das melhores atrizes dessa nova geração. É uma pessoa que tem imensa força dramática, vigor e muita autenticidade", diz o diretor da novela, Luiz Fernando Carvalho.
Segundo ele, Mariana correspondeu a todas as suas expectativas e fez a personagem Liliana crescer logo no início da segunda fase da novela.
Primeiro, foi o momento de Liliana se recuperar do vício das drogas. Em seguida, vieram as transas ardentes com Marcos Mezenga (Fábio Assunção), filho do "rei do gado", Antônio Fagundes.
"Para mim, a cena erótica é igual às outras cenas. Mas é claro que na TV é mais profano, por causa de toda aquela maquinária em volta de você. É preciso muita concentração", diz a atriz.
Para completar, no dia do seu casamento, a personagem é abandonada por Marcos na igreja.
"Liliana é muito romântica e triste. Mas, agora, estou tentando trazer mais alegria a ela", afirma Mariana, que não gosta de se comparar a sua personagem. "Esse é um dos males das novelas. Não interessa se eu sou mais triste ou alegre, mais gorda ou magra do que Liliana."
Mariana conta que relutou ao ser convidada para a novela. "Fiquei com um pé atrás, porque na época eu estava fazendo a peça 'O Livro de Jó'. Mas o Luiz Fernando foi muito compreensivo. Então, só entrei na novela mediante o compromisso de continuar no teatro."
Agora, ela afirma: "Estou aprendendo bastante. Para mim, tudo está sendo uma grande descoberta. Além disso, a equipe da novela é apaixonante".
Foi no teatro que Luiz Fernando descobriu Mariana. "Há mais de dez anos faço esse trabalho de pesquisa, visitando cursos de teatro e peças alternativas em todo o país", afirma o diretor.
Foi também no teatro que Mariana começou sua carreira. Aos 17 anos, ela deixou para trás a casa dos pais, o vestibular e partiu em turnê pela América Latina e México com o grupo do diretor Marinho Piacentini.
Cansada da vida de mambembe, um ano depois, Mariana resolveu ir para Nova York. "Senti a necessidade de estudar outras formas de teatro."
Quando voltou a São Paulo, em 91, iniciou uma peregrinação pelas oficinas teatrais. Passou pelo CPT (Centro de Pesquisa Teatral), do diretor Antunes Filho. Três meses depois, viajou para a Espanha e Portugal com a peça "Don Perlimpimpim e Beliza em Seu Jardim", de Maria Alice Vergueiro.
"Quando voltamos, a peça se esgotou. O teatro é feito de corações. O olho do teatro é o coração dos atores e dos diretores. Se não há uma estrutura, o grupo acaba sucumbindo às dificuldades", diz a novata.
Então, foi a vez dela se interessar pelo teatro do diretor José Celso Martinez Corrêa. Mariana fez um teste para "Mistérios Gozosos" -mas não o tal teste polêmico em que, supostamente, um ator e uma atriz teriam tido relações sexuais- e passou.
Depois, interpretou um menino em "Futebol", de Bia Lessa. Em seguida, Mariana fez o trabalho que considera o grande marco de sua vida: a peça "O Livro de Jó".
Adaptação da história bíblica de Jó, um homem assolado por desgraças para testar sua fé em Deus, a peça ficou mais de um ano em cartaz e ganhou dez prêmios no ano passado.
Mas o espetáculo trouxe uma certa tristeza à jovem atriz. "Eu ficava perambulando pela noite e acordava às quatro horas da tarde todos os dias. No meio dessa loucura, entrei para a Oficina de Atores da Globo, porque, assim, poderia aprender uma forma diferente de trabalhar e conhecer outras pessoas."
Antes da novela, o telespectador pôde conhecer Mariana pela campanha publicitária do cigarro Free. Era uma daquelas jovens rebeldes, sonhadoras e ávidas por liberdade. No cinema, ela estreou no papel da produtora do filme "Sábado", de Ugo Giorgetti.
Talento
Assim como Mariana, a Globo está apostando em outros novos talentos. Segundo o setor de Recursos Artísticos da emissora, só neste ano foram lançados, nos seus três horários de novela, pelo menos 30 atores.
Entre eles, o carioca Marcello Antony, que faz o milionário Eugênio na nova novela "Salsa e Merengue".
Antony, 31, iniciou sua carreira no teatro incorporando o Centro de Demolição e Construção de Espetáculos, de Aderbal Freire Filho, após uma temporada de estudos no CAL (Centro de Artes das Laranjeiras).
Até chegar à TV, passou por vários testes e pela Oficina de Atores da Globo, ao lado de Letícia Spiller. Finalmente, foi escolhido por Carvalho para viver Bruno Berdinazzi na primeira fase de "O Rei do Gado". "Esperei o momento certo para aparecer porque sabia de minha capacidade. Falando figurativamente, não quero ser pizza (descartável)", explicou.
Na novela, Antony se sobressaiu com atuações convincentes e emocionantes. Com um estilo tipicamente teatral, ele diz que entrou para a televisão por questão de sobrevivência.
"Nos dias de hoje, é inviável fazer só teatro no Brasil. É necessário que seu nome e rosto estejam em evidência e isso só se consegue na TV."
Fã de Charlie Chaplin e Gary Oldman, Antony não quer ser rotulado como galã. "Gosto de viver personagens diferenciados, quero variar sempre, esse é o desafio", diz o ator. Considerado um homem bonito, ele acha que a beleza não é fundamental para emplacar na televisão. Pode, inclusive, atrapalhar. "Modéstia à parte, já perdi trabalhos por ter sido considerado bonito demais. A beleza é uma faca de dois gumes."
TV x teatro
Novo à arte da dramaturgia televisiva, Antony diz que teatro e TV são como Pelé e Garrincha. "Os dois meios são muito gostosos de fazer, mas em contextos diferentes. Adoro fazer televisão, mas o teatro alimenta minha alma. Acredito que o teatro seja a arte do ator e a televisão, a arte do editor."
Caco Ciocler, 25, que atuou ao lado de Antony como Geremias Berdinazzi em "O Rei do Gado", repete o discurso: "Já fui radicalmente contra a televisão. Hoje, no entanto, acho que ela é importante para o ator se tornar conhecido. Mas o trabalho na TV é muito mais raso do que no teatro".
A carreira de Ciocler começou aos nove anos, fazendo teatro amador. Quando estava no elenco da peça infanto-juvenil "Píramo e Tisbe", foi chamado pela Globo. Mal terminou de gravar a primeira fase da novela, já estava escalado para protagonizar um dos episódios do programa "Você Decide". Hoje, Ciocler está contratado pela emissora por dois anos.
Leonardo Brício, que contracenou com Antony e Ciocler em "O Rei do Gado" na pele do rival Henrique Mezenga, também está conquistando seu espaço.
Apesar de já trabalhar na TV há mais de cinco anos -participou da minissérie "O Guarani", da Manchete- só em "O Rei do Gado" Brício teve seu trabalho reconhecido pelo público.
Em seu currículo, também se incluem atuações em "Éramos Seis", novela do SBT, e "Renascer", da Globo.
Mas o teatro não é a única "fonte da juventude" das emissoras. Algumas das novas revelações saíram das passarelas, apesar da eterna discussão de que modelos não podem ser atores.
É o caso de Lavínia Vlasak, 20, que já desfilou para grifes famosas, como Christian Dior, Shiseido e Clarins, e atualmente faz o papel de Lia, a filha do "rei do gado".
"O trabalho de modelo não me agradava. Eu estudei e li demais para apenas ser um cabide e ficar calada. Então, aos 19 anos, decidi me dedicar à carreira de atriz", explica a Lavínia.
A iniciativa deu certo. Ela é hoje uma das atrizes mais comentadas pela mídia especializada. Nas ruas, as pessoas já gritam seu nome e pedem autógrafos. "Eu fico um pouco assustada, mas o artista tem de encarar a fama da maneira mais natural possível."
Beleza
Lavínia não atribui seu sucesso a sua beleza. "Nunca me achei bonita, nem mesmo quando era modelo. Ainda mais na novela, em que nem uso maquiagem. Aliás, pela primeira vez, não estou sendo paga para ser bonita", confessa.
Quando terminar a novela, os planos de Lavínia incluem o teatro e o marido, o ator Jorge Pontual, com que é casada desde os 16 anos.
Lavínia e Antony foram os eleitos pelo departamento de recursos artísticos da Rede Globo e por agências de publicidade para representar a nova safra de atores em um calendário que a grife Iódice está preparando com novos talentos de diferentes áreas.
Outra beldade que emplacou na telinha foi Vanessa Lóes, 25. Filha de um cineasta e uma atriz, a moça começou como modelo, trabalhando no Brasil e no exterior.
De volta ao Rio, produziu uma peça chamada "Ridículo Amor". Quando um dos protagonistas faltou, Vanessa, que já sabia as falas, assumiu seu lugar. Naquele instante, decidiu ser atriz.
Depois de alguns testes de vídeo, foi chamada para fazer a Oficina de Atores da Globo, onde foi convidada por Denise Sarraceni a integrar o elenco de "A Engraçadinha", de Nelson Rodrigues.
"As modelos que entraram para a TV sofrem muito preconceito. Não importa sua profissão, o que importa é fazer bem-feito e com paixão. O fundamental é ter talento e saber construir personagens", defende-se.
Após a estréia na minissérie, Lóes foi selecionada para viver Pietra, sua primeira grande personagem, em "Vira Lata". "Cheguei muito crua na novela e ficava muito nervosa. O que me ajudou foi minha intuição, acabei me acostumando e aprendi a relaxar", diz.
Contracenando com Marcelo Novaes, ela fez sua primeira cena romântica na novela. "Suava frio antes de começar. O Marcelo me sacaneia até hoje", diz.
Cássia Linhares, 23, é outra ex-modelo que desponta como atriz. Indicada por uma amiga, Cássia acabou tirando a sorte grande: foi contratada pela Globo antes mesmo de entrar para a Oficina.
Após viver a cigana Natasha em "Explode Coração", Cássia voltou suas atenções para o longa-metragem "Como Ser Solteiro no Rio de Janeiro", de Rosane Swartman. "O cinema é mágico, o ápice da dramaturgia e da realização profissional", diz a atriz.
No filme, ela interpreta Júlia, uma mulher moderna e inteligente que acaba se desiludindo com seu relacionamento após flagrar o namorado na cama com outra. "Quero fazer mais cinema, amei o trabalho e estou só esperando outra oportunidade. Também gostaria de voltar à TV. Atuar me dá tesão, não importa o meio", garante a jovem.
Já Renata Dutra começou na Globo como bailarina de várias aberturas de novelas, como "Tropicaliente" e "Explode Coração". Depois, atuou na mininovela "O Fim do Mundo", onde vivia a fotógrafa Fabiana.
Há cerca de dois meses, foi contratada para interpretar Heloísa, a ciumenta namorada de Nando (Márcio Garcia) em "Anjo de Mim". Pelo menos até o final de 1999, quando termina seu contrato com a Globo, essa ruiva de 24 anos é presença garantida na TV.
Precoces
Na procura por novos talentos, a Rede Manchete foi mais longe: está apostando em uma atriz de 17 anos - e com pouca experiência- para fazer o papel principal da novela "Xica da Silva". Taís de Araújo interpreta a escrava sensual que conquista um fidalgo e vira rainha.
O currículo de Taís inclui duas peças infantis de teatro, alguns trabalhos como modelo e participação na novela "Tocaia Grande", da mesma emissora.
"Acho que fui escolhida por Walter Avancini (diretor da novela) porque pareço com a personagem Xica. Tenho temperamento muito forte, sou briguenta mesmo", confessa.
Mas, ao que tudo indica, não foi só o seu temperamento que determinou a contratação. Os atributos físicos foram fundamentais. Tanto que seus fãs esperam ansiosos para que Taís complete 18 anos e possa mostrar seu corpo em banhos de cachoeira na novela. Ela se recusa a falar no assunto.
Tão precoce quanto Taís é Talita Castro, 19, filha do veterano Everton de Castro. Desde os 12 anos, ela estuda artes cênicas. Neste ano, após passar pela Oficina de Atores da Globo, apareceu pela primeira vez na TV, na novela "Vira Lata". Talita viveu Branca, a desengonçada estagiária de direito que, ao final da novela, revela sua beleza.
Talita também é filha da atriz Mayara de Castro, proprietária da Usina de Gente, uma empresa que administra a carreira de jovens atores, como a de Mariana Lima e Caco Ciocler. "Claro que o fato de meus pais serem da área ajuda porque eles me orientam e me mostram o melhor caminho. Mas só fico na TV se eu realmente tiver talento", diz Talita.
Já Gabriel Braga Nunes, filho da atriz Regina Braga e do diretor teatral Celso Nunes, diz que seu sobrenome nunca facilitou. Ele interpreta o rebelde e irresponsável Mário, um dos filhos de Lígia (Irene Ravache), na novela "Razão de Viver", do SBT.
"A minha carreira foi e tem sido de batalha. Fiz muitos testes em várias emissoras. Até que fui chamado pelo SBT", conta Nunes.
A hora certa
Mas, se tanto esforço e talento garantiram um primeiro reconhecimento e até futuros contratos, não foi à toa que isso aconteceu exatamente agora. O lançamento de todos esses atores tem uma explicação: "Existe uma necessidade de vencer a massificação dos rostos já gastos na TV. O novo ator aumenta a tensão dramática e faz o telespectador acreditar mais no personagem", diz o diretor Luiz Fernando Carvalho.
A julgar pelos resultados, essa nova geração parece ter conquistado seu lugar no coração dos telespectadores. Mas é preciso haver continuidade para chegar ao reconhecimento pleno.
"O caminho foi aberto e alguns nomes apareceram. Mas só o tempo pode dizer se essa geração vai vingar", finaliza Marcello Antony.

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