São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 1996
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'Sem estudo, a gente tem medo de toda novidade'

VANDECK SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PALMARES

Lenira Maria da Silva Bezerra, 58, é bisneta, neta, filha, mulher e mãe de canavieiros. "Até onde minha lembrança alcança, ao meu redor só vi sempre cana-de-açúcar", disse ela.
Acorda às 4h para deixar pronta a comida -feijão, farinha, às vezes carne. Às 6h, está no campo, participando das aulas sobre o cultivo da cana. Volta para casa depois das 11h.
Ela tenta aprender a ler à noite, no povoado de Piranji, na cidade pernambucana de Palmares (128 km a sudoeste de Recife), das 18h às 21h, numa garagem improvisada em sala de aula, iluminada por duas lâmpadas de 20 watts e uma fluorescente.
"Meu maior sonho é conhecer as letras que eu vejo na rua", disse ela.
Lenira Bezerra teve 11 filhos -seis morreram. Hoje mora só com o marido e um cachorro, Danúbio, que a acompanha na sala de aula e no plantio. Está desempregada desde 1993.
(VS)
*
Agência Folha - Por que a senhora quer aprender a ler?
Lenira Maria da Silva Bezerra - Não saber ler é uma desgraça. Se mandarem uma carta para te dar o fim (matar), você mesmo é capaz de entregá-la porque não sabe o que está escrito.
Agência Folha - A sra. chegou a estudar quando criança?
Bezerra - Passei uns dias na escola, mas tive que deixar para cair no trabalho. Depois entrei no Mobral, mas nunca aprendi nem a fazer meu nome.
Agência Folha - Quando tiver aprendido a ler, o que a senhora vai fazer?
Bezerra - Quero aprender mais. Sem estudo a gente é enganado, tem medo de tudo que é novidade.
Agência Folha - Como assim?
Bezerra - As pessoas te oferecem uma coisa, a gente nunca sabe se é boa ou ruim. Aparece um programa de governo, de sindicato, a gente fica duvidando se é bom, se é ruim.
Agência Folha - A sra. aprende alguma coisa aqui nesse curso de plantio de cana?
Bezerra - Aqui no campo as pessoas dizem: cubra com terra, a gente cobre. Bote a semente aqui, a gente bota. Agora estão me dizendo para que botar a terra, como é o jeito de botar a semente. E assim a gente vai aprendendo.

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