São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 1996
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Capital e trabalho na defesa da cidadania

ENIR SEVERINO DA SILVA

O impressionante recrudescimento da violência e da criminalidade na Grande São Paulo e em várias áreas metropolitanas brasileiras é um sintoma muito claro da desarticulação social provocada pelo desemprego, que atinge níveis recordes em algumas regiões.
Por mais liberal ou neoliberal que seja a análise dessa questão, não se pode desvincular a marginalização econômica crescente de parcelas expressivas da população das estatísticas da violência.
Sem trabalho e salário, o ser humano perde a referência da cidadania. Famílias sem fonte de renda desfiguram-se nas ruas, onde crianças sem amparo atiram-se à luta selvagem pela sobrevivência.
Dois fatores conjunturais simultâneos agem como causas do desemprego no Brasil. O primeiro é o fenômeno mundial da reengenharia administrativa nas empresas, fruto da automação e da necessidade de atingir níveis superlativos de competitividade, para garantir a sobrevivência no mercado da globalização; o segundo é a somatória da política monetária rígida vigente no país (baseada nos juros mais altos do mundo, na âncora cambial e no controle do crédito e do consumo) e do chamado "custo Brasil".
O parque empresarial brasileiro encontra-se numa saia justa, sem muitas alternativas para investir e expandir mercados. E, sem níveis adequados de investimento, torna-se impossível manter o emprego e, muito menos, gerar postos de trabalho em volume compatível com a expansão demográfica.
Nesse cenário de transformações e dificuldades, o sindicalismo brasileiro deve -e pode- assumir uma nova postura. É inútil manter uma posição meramente ideológica de confronto com a classe patronal.
A história mostrou que, independentemente de ideologias e questões políticas, capital e trabalho são interdependentes e complementares. Neste exato momento, empresários e trabalhadores brasileiros estão diante de um inimigo comum, representado por uma conjuntura altamente desfavorável. Caso não sejam encontradas soluções, todos sucumbirão.
No contexto dos dois fatores que causam desemprego, há ações urgentes a serem desenvolvidas conjuntamente pelas forças produtivas da nação. No que diz respeito ao fenômeno global do desemprego estrutural, é necessário promover, cada vez mais, cursos e programas de reciclagem profissional, para que o trabalhador brasileiro possa adequar-se a ambientes fabris automatizados e pontuados por tecnologia de ponta.
É preciso, também, desenvolver novos campos de trabalho, especialmente no setor de serviços, que, em numerosos países, tem absorvido trabalhadores remanescentes do desemprego industrial.
No que diz respeito à conjuntura adversa enfrentada pelo Brasil, os desafios são ainda maiores. É preciso que capital e trabalho somem forças, para reivindicar o abrandamento da política monetária e a aceleração das reformas modernizadoras.
Neste aspecto, é importante uma ação mais acentuada junto ao governo federal e ao Congresso, para deixar muito claro que os responsáveis diretos pela economia brasileira -empresas e trabalhadores- não são objetos, mas sim sujeitos da história contemporânea deste país.
Esta transformação no relacionamento entre capital e trabalho não significa que qualquer uma das partes deva sucumbir ou abdicar da tarefa de defender suas respectivas posições. Obviamente, há divergências pontuais entre o que os trabalhadores e as empresas almejam.
A reforma previdenciária, por exemplo, é objeto de diferenças, que podem ser equacionadas de forma satisfatória. Todos, porém, querem um sistema tributário mais justo, para trabalhadores e empresários; todos querem a redução do "custo Brasil"; todos querem que o país ingresse no círculo virtuoso do crescimento econômico auto-sustentado; todos querem gerar mais riquezas.
Afinal, o trabalhador precisa de empregos e melhores salários e as empresas precisam ampliar mercados, e sabem que cada emprego gerado é um novo consumidor que surge.
Neste momento grave, o sindicalismo não pode mais ficar sentado sobre dogmas, numa posição passiva, e até cômoda, de concentrar suas ações na defesa dos reajustes salariais, na data-base de cada categoria. O mundo mudou. O sindicalismo precisa estar à frente dessas transformações.
Num país como o Brasil, a defesa do trabalhador vai muito além da negociação salarial, abrangendo uma política efetiva de emprego, moradia, assistência médica e ensino de qualidade... em uma única palavra, cidadania.
Da mesma forma, o capital também deve acompanhar as mudanças do mundo, e essa nova postura passa por um respeito maior ao trabalhador, o que extingue o paternalismo e valoriza a parceria.

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