São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 1996
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Uma confissão, para alertar o Congresso

ALOYSIO BIONDI

Parece mentira. Mas a afirmação foi feita por duas vezes à imprensa, no espaço de poucas semanas. Não há engano, portanto.
Em entrevista sobre a próxima privatização de uma estadual de energia elétrica, um diretor do BNDES, banco estatal responsável pelos negócios nessa área, reiterou que "as tarifas cobradas pela empresa não serão reajustadas antes do leilão de venda". Por quê? "Para não inflar os preços de venda da estatal."
Eis aí uma confissão valiosa para reflexão da sociedade -e, em particular, do Congresso. Por ela, fica-se sabendo oficialmente que o objetivo da equipe FHC/BNDES não é conseguir o preço justo na venda de estatais e sim entregá-las a preços convenientes ao comprador -a quem, obviamente, será dado reajuste de tarifas após a "compra".
O episódio mostra, mais uma vez, a necessidade de rever a política de preços fixados para a venda das estatais de todas as áreas, para que elas deixem de ser entregues a preço de banana a grupos privilegiados.
Como primeiro passo, deve ser suspensa a política de venda a toque de caixa.
Lucro garantido
Um dos critérios para fixar o preço de venda de qualquer empresa, estatal ou privada, é calcular o lucro que ela poderá oferecer nos próximos anos (e, consequentemente, o retorno do capital aplicado).
Para esses cálculos, costuma-se tomar como base faturamento e/ou consequente lucratividade da empresa nos últimos anos, isto é, no passado.
Ora, com o achatamento de tarifas e preços de produtos, na esmagadora maioria dos casos as estatais apresentavam lucros baixíssimos -ou prejuízos. Calcular o valor de venda sem levar em conta as distorções provocadas pelo achatamento é, portanto, inadmissível.
É líquido e certo que, com o reajuste de tarifas pós-venda, a lucratividade dará saltos. Basta ver os avanços de até 200% nos lucros das empresas de telecomunicações no primeiro semestre deste ano.
Mercado garantido
Há casos, também, em que as estatais apresentam prejuízo devido à política (deliberada) de suspender seus investimentos nos últimos anos, sucateando seus equipamentos e com a qualidade dos seus serviços se deteriorando, levando-as a perder mercado.
Seus balanços podem acusar vermelho, mas elas, na verdade, têm mercado garantido e potencial de lucro. É o caso das ferrovias, que já vêm sendo doadas a grupos empresariais.
Tome-se apenas como exemplo o caso da Fepasa, estatal paulista que a equipe FHC/BNDES deseja privatizar.
O trecho São Paulo-Santos sempre foi o mais movimentado do país em termos de transporte de carga, graças à exportação de produtos da indústria da região da capital. Hoje, está praticamente parado. Por quê?
Segundo o próprio secretário de Transportes paulista, 90% das cargas seguem por rodovia e apenas 10% em trens. Por quê? As empresas preferem usar os caminhões, para sonegar o pagamento de impostos.
Onde o segredo? Na ferrovia, a nota fiscal é retida. Nas rodovias, não existe essa retenção -e as empresas usam a mesma nota em várias viagens, isto é, recolhem o imposto sobre apenas um carregamento e deixam de pagá-lo sobre os demais.
Aberrações como essa, que prejudicam as ferrovias do país, podem ser rapidamente corrigidas, trazendo a reconquista do mercado. Por isso mesmo, ferrovias não podem ser vendidas com base na sua situação atual -e declínio nos últimos anos.
Na mosca
Há menos de um mês, dia 24 de setembro, o BNDES vendeu 124 milhões de ações preferenciais da Eletrobrás, em "leilão de privatização", por R$ 45 milhões, a preços aparentemente lucrativos. Três corretoras foram as compradoras. Em outubro, Eletrobrás está entre as maiores altas na Bolsa. Coisa de 20% em um mês.
No escuro
Na "quebra" de grandes grupos, há sempre bancos oficiais entre os maiores credores. Quando surgem compradores, aceita-se o pagamento da dívida de outros bancos. Privados. O pagamento aos estatais fica para as calendas. Na "quebra" da Mesbla, bancos oficiais tinham de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões a receber.

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