São Paulo, quarta-feira, 23 de outubro de 1996
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Olacyr dá calote de US$ 13 mi no exterior

CELSO PINTO
DO CONSELHO EDITORIAL

Pela primeira vez, desde o final da crise da dívida externa dos anos 80, um papel brasileiro emitido no exterior deixou de ser pago no vencimento, ontem.
Foram US$ 13 milhões em "commercial papers" lançados há um ano pela Constran, construtora do grupo Itamarati, do empresário Olacyr de Moraes.
Os papéis têm o aval da Constran e do próprio Olacyr de Moraes. Isso quer dizer que Olacyr, 65, conhecido como "rei da soja" por ser o maior produtor mundial de soja, e com uma fortuna calculada em US$ 1,2 bilhão pela revista "Fortune", poderá ser acionado na Justiça pelos investidores internacionais.
Os títulos que venceram ontem foram a primeira parcela de um programa montado, ano passado, pelo Banco Cidade para a Constran.
Isaac Khafif, diretor de Corporate Finance do Cidade, explica que ainda existem dois outros vencimentos deste programa, de US$ 20 milhões cada um, em dezembro deste ano e fevereiro de 97.
Dificuldades de caixa
O grupo Itamarati está com sérias dificuldades de caixa, tem uma dívida de R$ 1 bilhão e fez, no final de julho, uma proposta de renegociação para seus credores internos. Para os investidores internacionais, contudo, não houve proposta.
Khafif diz que seu banco ficou "preocupado" com o "default" (calote) da Constran e que, em várias conversas recentes com o grupo, tentou convencê-lo da importância de pagar os papéis no vencimento de ontem.
Consumado o "default", ele acha que o mais importante, agora, é ter o máximo de informações possíveis sobre as razões que levaram ao não-pagamento.
Quando foram emitidos, em outubro do ano passado, os papéis da Constran, segundo Khafif, foram vendidos "a investidores e bancos mais sofisticados". Desde então, certamente foram revendidos a investidores finais e o Cidade não sabe em que mãos eles estão hoje.
O impacto do calote sobre o mercado internacional "não é agradável para o Brasil", nas palavras de Khafif. Certamente não é. Desde a crise da dívida externa, em 82, o Brasil não conseguiu emitir um único papel no mercado internacional até o início dos anos 90.
Quando finalmente conseguiu voltar ao mercado, o país tomou o cuidado de não deixar de honrar qualquer papel.
Até mesmo os títulos internacionais emitidos pelos bancos Econômico e Nacional, que quebraram, acabaram sendo pagos pelo Banco Central.
Má notícia
O calote da Constran não é grande, mas quebra esta regra de bom comportamento do país.
Os "commercial papers" são títulos de prazo curto. No caso da Constran são papéis de um ano, regidos pela lei inglesa, que têm o Bankers Trust como agente pagador e liquidação pelo sistema do Euroclear -a quem caberá, hoje, dar a má notícia aos donos dos papéis.
Um banqueiro da City de Londres observa que o calote não foi uma surpresa total, já que o mercado vinha acompanhando há algum tempo os problemas do grupo. Ele admite, contudo, que poderá afetar um pouco o acesso principalmente de empresas brasileiras de menor porte.
Infeliz coincidência
O "default", por uma infeliz coincidência, se dá na semana em que o Brasil está vendendo, nos Estados Unidos e na Europa, uma emissão de US$ 750 milhões em bônus da República do Brasil.
"Por sorte, não é um banco, caso contrário o mercado poderia voltar a levantar suspeitas sobre a saúde do sistema financeiro brasileiro", diz ele. O Banco Itamarati, que fazia parte do grupo, foi vendido em julho para o BCN.
Uma fonte próxima ao grupo Itamarati disse à Folha que os problemas de caixa impediram o grupo de fazer o pagamento, mas que a Constran deverá oferecer aos investidores afetados a possibilidade de trocar os papéis vencidos por outros, de prazo maior.
A intenção seria formatar uma proposta aos investidores nos próximos 90 dias. Khafif garante que a Constran, até agora, não fez qualquer menção desta opção ao Banco Cidade.
Quando os problemas financeiros do grupo Itamarati se tornaram mais agudos, nos últimos meses, Olacyr de Moraes chamou o Banco Bozano, Simonsen para fazer a reestruturação financeira do grupo. O Bozano, por sua vez, contratou a Consemp para administrar o Itamarati.
O Bozano apresentou, no final de julho, uma proposta aos bancos credores internos. A dívida total é de aproximadamente R$ 1 bilhão. Cerca da metade é dívida de curto prazo a bancos privados. O restante é dívida junto ao BNDES.
A proposta feita aos bancos privados, pelo que apurou a Folha, é de consolidar a dívida em debêntures com prazo de cinco anos e juros crescentes.
No primeiro ano, as debêntures pagariam apenas a variação do INPC. No segundo ano, o juro acima do INPC seria de 3%, no terceiro ano, de 6%, no quarto, de 9%, e no quinto, de 12%.
A reação dos credores, como era de se esperar, foi ruim. As debêntures seriam emitidas por uma nova empresa.
Além de reclamar dos juros e do prazo, os que têm débitos junto às empresas mais sólidas do grupo reclamam que perderão esta vantagem com a reestruturação.
Sinal de alerta
No mercado, alguns interpretaram o calote de ontem junto aos investidores internacionais como uma espécie de sinal de alerta aos credores sobre a seriedade da necessidade de reestruturação.
Tenha ou não havido esta intenção, o fato é que o grupo está com um problema agudo de liquidez.
Numa entrevista quando a proposta de renegociação foi feita, no final de julho, Olacyr pedia rapidez na resposta. "A negociação tem que ser rápida", disse. "Temos fornecedores para pagar e não podemos esperar". Naquele momento, Olacyr imaginava que teria uma resposta dos credores num prazo de 15 dias a um mês.
Ativos comprometidos
O trunfo do Itamarati é o tamanho e a qualidade de seu patrimônio. Apesar da enorme dívida, os próprios credores são os primeiros a reconhecer que o grupo tem bons ativos em mãos, cujo valor provavelmente supera o total da dívida.
No entanto, existem dois problemas graves com estes ativos: estão todos comprometidos como garantias e eles têm pouca liquidez, ou seja, são difíceis de vender a toque de caixa.
Só será possível resolver o problema do grupo, portanto, se uma reestruturação da dívida liberar alguns ativos para venda, num prazo adequado.
Os ativos do Itamarati incluem, entre outros, fazendas, imóveis, uma usina hidrelétrica, uma usina de açúcar e álcool tida como exemplar, que começou a produzir este ano, os ativos da construtora Constran, a Ferronorte e uma pedreira em São Paulo. Além disso, o grupo tem créditos em torno de US$ 200 milhões junto ao governo federal.
Obras autorizadas
O grupo conta com duas obras, já autorizadas, como potencial ajuda a curto prazo para engordar seu caixa: o metrô de São Paulo e o porto de Sepetiba. Sem o sucesso na reestruturação da dívida, contudo, não há solução duradoura.
O Itamarati foi classificado como o trigésimo-oitavo maior grupo do país em vendas, no ano passado, pela revista "Exame". Faturou um total de R$ 1 bilhão.
Os problemas do grupo começaram a se agravar pela dificuldades em tocar alguns projetos, como a Ferronorte, que dependiam de contrapartidas do governo. O grupo apostou em seguir adiante e se deu mal.
O próprio Olacyr já disse que os problemas de liquidez de seu grupo começaram há dois anos e foram provocados pela alta das taxas de juros. Os juros cobrados ao grupo, hoje, estão entre 4% e 5% ao mês.

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