São Paulo, quarta-feira, 23 de outubro de 1996
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Um indecente silêncio

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Dá uma peninha danada dos nobres deputados, que ficaram "incomodados", segundo o líder do governo, Benito Gama (PFL-BA), com o fato de não poderem mais acumular salário e aposentadoria quando a soma ultrapassar R$ 10,8 mil.
O argumento para justificar o privilégio, usado por Benito, é comovente: mantida a regra, prevista na MP do governo, alguns deputados terão que trabalhar de graça. Coitadinhos.
Faltou dizer que não precisam trabalhar de graça. Basta que abram mão da aposentadoria, enquanto durar o mandato. Faltou dizer também que, se há a perspectiva de trabalhar de graça, é porque a aposentadoria supera ou iguala o teto de R$ 10,8 mil.
Deve ser pouco, ainda mais na comparação com o comum das aposentadorias, que não vai além de R$ 112.
Diz a Folha que o governo dispõe-se a negociar a manutenção do privilégio. É engraçado. As reformas previdenciária e administrativa foram apresentadas, desde o princípio, como uma forma de combater privilégios, além de contribuir para o ajuste do Estado.
Cunhou-se até a expressão "privilégios adquiridos" como contraponto a "direitos adquiridos".
E sempre que algum setor econômico, algum grupo de funcionários públicos ou algum sindicato apresenta um pleito qualquer, a favor das vantagens de que hoje goza, sempre há alguém do governo para gritar: "Corporativistas, sacanas, atravancadores do progresso".
Mas essa acusação só é esgrimida, é lógico, contra quem não tem voto no Congresso e, portanto, não decidirá sobre a reeleição.
No caso dos congressistas, faz-se um enorme silêncio. Sou capaz de apostar que o presidente da República ficará quieto, que os ministros da área econômica, ciosos do tal de ajuste, calarão, que nem mesmo um funcionário de terceiro escalão será capaz de usar a única palavra adequada para o pleito dos congressistas: indecência.

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