São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 1996
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Os "gerentes de pessoal"

CELSO PINTO

Cristovam Buarque, governador do Distrito Federal e porta-voz do grupo de 19 governadores rebeldes, está fazendo um grande esforço para não queimar navios.
As propostas por ele alinhavadas -e que devem ser encaminhadas na próxima semana- jogam no lixo o modelo federal de acerto com os Estados, renegociam o que foi recém-negociado, ampliam o subsídio implícito na negociação e transferem da Fazenda para o Senado o comando futuro do ajuste dos Estados. Ou seja, eliminam qualquer garantia de que os Estados, que hoje respondem por dois terços do déficit público, serão empurrados ao equilíbrio no futuro.
Ainda assim, Buarque insiste que não se quer o confronto e sim "sensibilidade política, com respeito aos limites técnicos". Diz estar convencido que a proposta dos governadores não compromete a estabilidade ou o ajuste fiscal. "Achamos que há uma margem", define, "vamos conversar e ver".
Ele revela ter tido contatos com o segundo escalão da área econômica do governo, e assegura que nenhum governador quer a volta da inflação. "Cair no populismo não vale a pena", insiste.
Buarque reclama que os governadores se transformaram em "gerentes de pessoal". Só que, mesmo que a dívida desaparecesse, muitos Estados que gastam toda ou quase toda a receita com pessoal continuariam no mesmo buraco. O próprio Distrito Federal é um exemplo de pouca dívida e muito gasto com pessoal.
Nem sempre foi assim. Quando Buarque, do PT, entrou no governo, as despesas com pessoal consumiam 62% da receita líquida. As finanças estavam enxutas, praticamente dentro do limite fixado pela Lei Camata (60% da receita), e, portanto, com folga orçamentária para investimentos.
Hoje, o DF gasta 82% de sua receita líquida com pessoal. Buarque atribui o salto a pressões dos inativos, aumentos vegetativos da folha (quase 1% ao mês) e queda nos repasses federais. Na sua própria equipe, contudo, admite-se que a deterioração foi ajudada pela liberalidade na concessão de aumentos salariais, especialmente no início da gestão, empurrada por pressões sindicais e do PT.
O governador diz que hoje impôs teto para os salários, fez cortes e quer aprovar um aumento no Imposto Predial e Territorial Urbano, de 0,3% para 0,5%. Entre os cortes, menciona a demissão de 2 mil funcionários da Novacap, aquela velha entidade criada por Juscelino Kubstichek para administrar a construção de Brasília.
A capital já está quase quarentona, mas a Novacap continua lá, firme e forte, hoje tapando buracos, cortando grama e limpando ruas. Para isso, mesmo depois dos cortes, continua com 6 mil funcionários e consome R$ 100 milhões, o equivalente à arrecadação do IPTU.
Brasília é uma das poucas cidades no mundo onde o governo mantém uma rede de supermercado, a SAB, instalada não nas favelas das cidades-satélite, mas em algumas das mais chiques superquadras do Plano Piloto. A venda das lojas da SAB poderia financiar muitos dos excelentes programas sociais criados pelo governador.
Assim como o Distrito Federal, vários outros Estados só resolverão seus problemas com ajuda da reforma administrativa, como diz Buarque, e muito mais ajustes. Alguns dos governadores se tornaram "gerentes de pessoal" por opção (ou omissão) própria. Como foram eleitos, é um direito que lhes assiste e que será julgado nas urnas.
Injusto é querer repartir essa conta com cidadãos do Paraná (administrado pelo PDT), do Ceará (do PSDB) ou da Bahia (do PFL), que são Estados com as finanças em ordem e com dinheiro sobrando para investimentos. Seria uma gigantesca "insensibilidade política" do Senado fazê-los pagar, indiretamente, essa conta.
Efeitos do "default"
O calote dado pela Constran, de Olacyr de Moraes, no pagamento de US$ 13 milhões em "commercial papers" a investidores estrangeiros, trouxe pelo menos um efeito salutar, na visão de analistas do mercado. Lembrou a todos que existe risco.
A liquidez do mercado, hoje, é tão imensa, que tanto bancos quanto investidores estão fechando um olho para a análise da solidez dos emissores, num tipo de euforia que já teve outros finais infelizes no passado, inclusive na crise do México em 94, seguida de inúmeros calotes de empresas.

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