São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 1996
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Mais um capítulo

JANIO DE FREITAS

O programa de extinção dos direitos de quem vive de trabalho ou é aposentado tem, já, mais uma ceifada a acrescentar ao pacotaço da semana passada. A nova investida contra direitos aguarda a decisão final ainda sem a companhia, no entanto infalível, de alguns itens que dêem ao todo a aparência de ação apenas contra privilégios. Itens indispensáveis para que os jornalistas tenham o que dizer e escrever, sobre o ato do governo, sem tratar do seu caráter anti-social.
Eliminados pelo pacotaço, os casos de pagamento indenizatório em certas demissões, está agora em mãos de Fernando Henrique Cardoso o complemento que atinge os direitos posteriores à demissão. E o faz com tal autoritarismo, que pretende cassar nada menos do que o direito fundamental de recorrer à Justiça em busca de reparações.
O projeto estabelece que, uma vez assinada pelo empregado a rescisão do vínculo empregatício com quitação apresentada como plena, não mais lhe será permitido recorrer à Justiça do Trabalho para pleitear pretensos direitos não incluídos pela empresa no ato de rescisão. Como principal proponente do projeto, já aprovado pelo Conselho da Reforma do Estado, o advogado José Geraldo Piquet Carneiro diz que a medida combateria "uma indústria de ações, fomentada por advogados que vivem disso". As ações pós-rescisão seriam, segundo Piquet Carneiro, "pelo menos 70% das ações trabalhistas".
O recebimento da quitação nos termos propostos pela empresa justifica-se, antes de mais nada, para proporcionar ao demitido recursos de sobrevivência como desempregado. A recusa ao recebimento tido como incompleto leva o demitido, sem mais alternativa, a aguardar o transcurso, com duração imprevisível, da sua reclamação na Justiça do Trabalho.
O eventual recurso à Justiça, mesmo depois de assinada a quitação, justifica-se ainda porque nem todos os direitos e deveres são sempre perfeitamente claros, do ponto de vista do empregado como do empregador, nas condições e natureza do trabalho. E para decidir dúvidas e divergências assim é que existe a Justiça do Trabalho.
A quitação dada pelo demitido seria, pelo projeto defendido por Piquet Carneiro, "plena e irrevogável". O que daria às empresas de inescrupulosos a condição para explorar, com contas incompletas e injustas, a impossibilidade dupla dos trabalhadores de baixos salários: não poderiam ficar sem a quantia oferecida e não poderiam recorrer à Justiça para receber, não só o oferecido, mas o devido.
Esse projeto não é a primeira nem a segunda investida do governo contra o direito fundamental de recorrer à Justiça. Não é a última, também, que a última está longe.

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