São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Déficit comercial poderá frear economia

MILTON GAMEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao contrário do que pensavam os analistas econômicos até poucos dias atrás, o ano de 1996 ainda não terminou.
Algumas previsões, dadas como infalíveis até a semana passada, estão sendo postas em xeque e ameaçam os atuais cenários econômicos para o ano de 1997.
O desempenho ruim do comércio exterior brasileiro e das contas públicas federais neste final de semestre podem fazer o governo botar o pé no freio da economia na primeira metade do ano que vem.
Nesse caso, o país poderá sair de um ambiente de crescimento econômico mais acelerado e entrar, de novo, na recessão. Exatamente o contrário do que aconteceu neste ano. Seria mais uma edição do que os economistas chamam de política do "stop and go" (pára e anda).
"Entramos numa fase de turbulência nas expectativas", diz Carlos Kawall Leal Ferreira, economista-chefe do Citibank no país. "No limite, a deterioração inegável de alguns indicadores pode levar o governo a reprimir o crescimento econômico no segundo trimestre do ano que vem."
Bolsa em queda
Mesmo sem anunciar medidas recessivas, o próprio governo antecipa um "esfriamento" da atividade econômica em 1997.
A meta para crescimento dos produtos e serviços -o chamado PIB- no ano que vem foi reduzida de 5% para 4%, segundo expectativa predominante entre os integrantes da equipe econômica.
Este ano, a economia deverá fechar dezembro com pique de 7% sobre dezembro de 1995. A média anual ficará em torno de 2,5%, prevêem os bancos.
Ao mesmo tempo, também foi ampliada de 2,5% para 3,5% do PIB a previsão oficial de déficit público (diferença entre as receitas e as despesas) da União neste ano.
Por conta dessas turbulências, a Bolsa paulista fechou a semana passada em queda de 4,3%.
Reversão
A mais ruidosa revisão de expectativas envolve a balança comercial -ponto nevrálgico do Plano Real, devido às implicações num de seus principais alicerces, a política cambial.
Economistas e outros observadores do mercado financeiro assustaram-se com o forte saldo negativo da balança comercial em setembro: as importações superaram as exportações em US$ 655 milhões. Alguns analistas temem que neste mês o déficit comercial alcançará US$ 1 bilhão.
Com isso, as projeções de um saldo negativo de US$ 3,2 bilhões neste ano (média de 27 análises de bancos, em setembro) pularam para US$ 4 bilhões.
"Se a diferença entre as importações e as exportações atingir mesmo US$ 1 bilhão em outubro, uma luz amarela se acenderá no caminho do crescimento do PIB", diz Flávio Nolasco, da MA Consultores Econômicos.
Na prática, o crescimento do déficit implica queima maior de divisas externas (os pagamentos das importações superam os recebimentos das importações).
O governo, de seu lado, garante que está tudo sob controle, pois esse movimento é compensado, com folga, pelos investimentos estrangeiros no Brasil. Espera-se uma entrada de US$ 7 bilhões a US$ 8 bilhões este ano somente por conta dos investimentos na produção.
Mas, como as exportações estão abaixo do previsto e as importações crescem a todo vapor, teme-se que um buraco crescente na balança comercial possa afetar, a médio prazo, a confiança daqueles que o financiam: as multinacionais (com investimentos diretos) e os investidores especulativos (na compra de títulos e ações).
Ninguém se esquece do exemplo do México, que "quebrou" em 1995 por conta de déficits comerciais crescentes e elevada dependência do capital externo.
"Se aumentar o nervosismo, a tendência é uma saída maior de dólares, por conta de remessas e resgate de bônus emitidos no exterior", afirma Cristian Andrei, da LCA Consultores.
Arrocho
Hoje, a confiança externa no Brasil é grande. O país tem atraído dólares com a "cenoura" dos dados positivos do Real: baixa inflação, retomada do crescimento econômico neste semestre, aumento gradual da produtividade das empresas e um mercado consumidor ampliado. Também servem de iscas ações crescentes de redução do "custo Brasil", as privatizações e os juros altos.
Para manter essa confiança, o governo poderá tomar medidas recessivas como fez no ano passado, caso se concretize a deterioração do comércio exterior.
A idéia central desse possível arrocho gira em torno do consumo interno: quanto mais fraco, menor é a pressão sobre as importações e maior é o incentivo às exportações. Uma forma de diminuir o consumo seria piorar as condições do crédito ao consumidor, encurtando prazos e desacelerando a queda gradual das taxas de juro.
Assim, seria possível manter a chamada âncora cambial sem fechar o país às importações, que seguraram a inflação lá em baixo.
Outra solução para essa equação seria uma forte desvalorização cambial : um real mais fraco estimularia as exportações (os dólares valeriam mais reais) e conteria as importações (que ficariam mais caras). Essa saída é descartada por todos, do governo aos bancos.
Também é desprezada a possibilidade de medidas recessivas neste ano. Isso prejudicaria a aprovação da emenda da reeleição.

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