São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Receita de agricultura tropical

DA "NEW SCIENTIST"

Quando o explorador alemão Alexander von Humboldt visitou a Amazônia no século passado, ficou impressionado com a fertilidade da floresta. Estava convencido de que a região se tornaria facilmente o celeiro do mundo. O motivo parecia óbvio. Aqui, as árvores levam só um ano ou dois para atingir vários metros de altura.
Mas as aparências enganam, nos explica o ecologista Dan Nepstad, do Centro de Pesquisa Woods Hole de Massachusetts (EUA). Pelo menos no curto prazo, diz Nepstad, as plantações precisam de muito mais nutrientes do que as árvores da floresta. Para que o cultivo seja possível, os agricultores precisam cortar e queimar novas áreas de floresta todos os anos para obter mais nutrientes para o solo. Quando a plantação cresce, o nível de nutrientes cai, as ervas daninhas se espalham e os agricultores são obrigados a se mudar.
Konrad Vielhauer, um dos coordenadores de um projeto germano-brasileiro para investigar como intensificar a agricultura do corta-e-queima, nos explica que o problema é o solo, que foi privado de nutrientes por causa da própria evolução ambiental da região. A floresta só pôde florescer porque as árvores se adaptaram à baixa concentração de nutrientes.
Plantações anuais, como o milho ou o arroz, precisam dos nutrientes das queimadas. Mas a técnica é ineficiente, pois transforma uma grande quantidade desses nutrientes das árvores em fumaça.
Despensa reciclável
Os nutrientes biologicamente disponíveis se acumulam exclusivamente na camada orgânica do solo -a camada de restos de árvores e de folhas que o recobre. "As árvores vivem de seus próprios restos. É um sistema de reciclagem eficiente", diz Vielhauer. Um exército de pequenos seres vivos do chão da floresta corta, digere e transforma os restos das plantas em "adubo". O corte das árvores elimina, portanto, o suprimento dessa camada "adubadora".
Vielhauer realiza no Pará experimentos para verificar qual a técnica mais eficiente de derrubada da mata para a agricultura. Em vez de queimá-la, o pesquisador está simplesmente picando as árvores para que elas sirvam de "adubo".
Outro método é o de enriquecer o pousio (isto é, as terras que "descansam" após as colheitas).
Nas terras cansadas depois de um ou dois anos de colheita, árvores e arbustos crescem numa velocidade espantosa para um solo tão pobre. Algumas dessas árvores, leguminosas, fixam nitrogênio no solo a partir do ar e absorvem nutrientes através de suas raízes, mais profundas do que a das plantas cultivadas. Elas também podem buscar fontes de fósforo que são inacessíveis às raízes curtas do milho, por exemplo.
O problema, explica Vielhauer, é que a demanda de terra é cada vez maior -os agricultores pobres não têm condições de esperar que as árvores cresçam o suficiente até terem fixado mais nutrientes.
Uma alternativa é manejar o pousio. Em vez de deixar a floresta crescer naturalmente antes de cortá-la, deve-se plantar certas árvores que fazem com que a terra se recupere mais rapidamente. Vielhauer fez essa experiência.
Num terreno que descansava havia cinco anos, as árvores foram cortadas e queimadas para o plantio de milho. Depois da colheita, os pesquisadores deixaram a terra descansar por mais dois anos. Numa parte desse terreno, no entanto, foram plantadas acácias, árvores leguminosas.
Na terra que descansou por dois anos com as acácias, havia muito mais biomassa (matéria de origem vegetal) do que em um terreno que havia sido deixado a si próprio, descansando naturalmente.
Colheita na floresta
O ecologista Antônio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, nos diz que a agricultura amazônica "está condenada ao fracasso, a menos que seja baseada numa estrutura ecológica".
"Durante anos, os agrônomos têm vindo à Amazônia com o objetivo de 'domar' a natureza. Em parte, essa é a atitude dos agrônomos mais acostumados a regiões temperadas (mais frias)", diz Nobre. Nos países com invernos rigorosos, todos os anos as pragas são mortas ou controladas naturalmente. Nesses lugares, a riqueza do sistema está no solo e não na vegetação, explica o agrônomo.
Nos trópicos úmidos, a história é muito diferente, diz Nobre. Os nutrientes disponíveis estão nas árvores -não no solo- e não há inverno. Talvez o problema da terra pobre e das pragas pudesse ser resolvido com fertilizantes e pesticidas. "A questão é: quem vai pagar? O problema não é tecnológico. A Nasa pode fazer crescer tomates numa nave espacial, mas um quilo desses tomates custa muito caro."
A alternativa, diz Nobre, é copiar os "métodos" da floresta e combinar árvores e plantações.
Segundo João Matos, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Manaus, o sistema floresta-plantações tem vários benefícios. As árvores alimentam o solo com seus restos e nitratos. Cerca de 20% a 30% das árvores da floresta tropical são leguminosas e retiram nitrogênio do ar e o fixam no solo.
As raízes das árvores também tornam o solo mais "fofo" para as raízes das plantações. Suas copas protegem vegetais como o milho do sol escaldante. De resto, elas podem fornecer frutas, nozes, alimento para o gado, lenha e, por fim, borracha. Melhor ainda, mantida uma certa diversidade de espécies de árvores, aumenta a resistência do sistema contra pragas.

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