São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Ídolo do "iê-iê-iê" quer suceder Menem

"É preciso humanizar a economia ou haverá convulsão mundial"

RODRIGO BERTOLOTTO
DE BUENOS AIRES

'Palito' Ortega tenta candidatura em 99

A Argentina pode ser o próximo país a ter um presidente com tanta aptidão musical quanto política.
Após a Rússia de Boris Ieltsin, os EUA de Bill Clinton e o Equador de Abdalá Bucaram, é possível que em 1999 a Argentina seja governada por Ramón "Palito" Ortega, astro da Jovem Guarda argentina.
"Palito" Ortega, 55, deixou para trás seus 34 discos e 27 filmes e, em 1991, se lançou à política, elegendo-se governador da Província de Tucumán (norte do país).
Após o mandato, voltou aos EUA, onde já havia morado seis anos. Dessa vez para cursar economia na Universidade de Miami, primeiro passo para o governo.
Em julho, acabou o período norte-americano e começou sua campanha pelas cidades argentinas.
"O momento é de conversar com o povo, não de fazer comícios", afirmou Ortega à Folha, referindo-se a crise política, que acumula desemprego, aumento da pobreza, casos diários de corrupção e um embate entre o governo Carlos Menem e o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo.
Sua candidatura poderia cair no caricatural se não tivesse a seu lado nomes consagrados como o do próprio Cavallo e do ex-candidato a presidente José Octavio Bordón.
Mas sua principal força é a popularidade. "É como imaginar no Brasil que Roberto Carlos saia candidato. Não precisa se apresentar."
Ortega começou a vender jornais e lustrar sapatos aos 12 anos, em Tucumán. Cinco anos depois, migrou para Buenos Aires, onde trabalhava na limpeza de uma rádio.
*
Folha - O sr. sofreu preconceito por cantar músicas românticas e de esperança em tempos conturbados como os anos 60 e 70?
Ramón "Palito" Ortega - Sim, por parte dos intelectuais. Minhas canções eram simples e transmitiam esperança, mas eram autênticas. Eu cantava para as pessoas humildes, não para os intelectuais.
Eu vi cantores de protesto morarem em hotéis cinco estrelas e viajarem em primeira classe. Eles não viviam o que transmitiam.
Folha - Na época de cantor, se aproximou de algum político?
Ortega - Não pensava em ser político. Eu sou peronista desde pequeno, pois Perón foi o único a agir por minha cidade. Gostaria de tê-lo conhecido.
Folha - O sr. criou pessoalmente boa parte de sua campanha para governador. O sr. será seu próprio assessor de marketing em 1999?
Ortega - O artista tem noção do que representa. Os especialistas servem para políticos que não sabem o que é caminhar em um palco e enfrentar uma multidão.
Não preciso de ninguém que mude minha personalidade ou minhas mensagens. Estou preocupado em trazer uma contribuição científica para minha campanha.
Nos EUA, a equipe de Clinton possui um aparelho eletrônico que mede as reações do público aos discursos. Quero trazer isso para cá. Assessores de Clinton são amigos da época em que vivi nos EUA.
Folha - O sr. se reuniu com Clinton duas vezes em 1996. Como foi?
Ortega - Na primeira vez, fui para desejar sorte em sua campanha, e um amigo em comum que estava lá disse a ele que eu sou o futuro presidente da Argentina. Ele retribuiu o desejo de boa sorte.
O último encontro foi para apresentar um documento sobre a situação social da América Latina.
Folha - Em sua campanha vai utilizar seus dons artísticos?
Ortega - Não pretendo. Mas meus filmes passam todos os finais de semana. Então, em meus atos políticos, as pessoas sempre comentam que me viram na TV. Outro dia, em uma cidade do interior, havia uma delegação de 400 mulheres no meu hotel. Elas pediram e gritaram tanto que alguém trouxe um violão e me fizeram cantar.
Folha - Quais seriam suas prioridades no governo?
Ortega - O país tem de produzir e procurar mercados, mas não causando uma dívida social. Não quero que só os empresários se aproveitem desse crescimento. Preciso de um grande técnico para criar uma economia dessa forma.
Folha - Esse técnico poderia ser seu amigo Domingo Cavallo?
Ortega - Sim. Ele está preparado para isso. Mas ele terá de saber que eu penso diferente de Menem.
Folha - O que acha do atual modelo econômico argentino?
Ortega - Conseguimos uma estabilidade para crescer e planejar o futuro, mas com alto custo social, desemprego e pobreza. Precisamos fazer como os EUA ou a Espanha, países em que o Estado protege o desempregado. É preciso humanizar a economia ou em 20 anos haverá uma convulsão mundial. Temos de globalizar também a ética e os valores familiares.
Folha - O sr. preservaria a paridade cambial de um peso valer um dólar, base do plano atual?
Ortega - Temos de preservar a paridade. Mas, no meu projeto econômico, as pessoas estão em primeiro plano. Se o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional exigirem que demita 300 mil funcionários públicos para conceder um empréstimo, eu quero que eles me digam onde vou colocar esse pessoal. Caso contrário, não preciso do dinheiro.
Folha - Poderia haver uma chapa Ortega-Cavallo?
Ortega - Ele nunca me falou em se lançar à política. Eu estou no Partido Justicialista (de Menem), e ele, não. Mas posso sair do PJ se o partido tentar me triturar.
Folha - Como será a eleição?
Ortega - Acredito que a eleição de 1999 não será entre partidos, mas entre homens. Há quem diga que meu rival Eduardo Duhalde tem uma grande estrutura dentro do PJ, mas as pessoas não votam em estruturas. Vou vencer a convenção, serei o candidato do peronismo e o próximo presidente.
Folha - Quais serão seus rivais?
Ortega - No PJ, a trapaça é meu maior rival. Se tentarem me enganar com manhas, eu posso sair do partido. O radicalismo ainda não se recuperou. A Frepaso (Frente País Solidário, de esquerda) é um partido médio, sem força em alguns lugares. Só o justicialismo consegue 40% ou 45% dos votos.

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