São Paulo, sexta-feira, 1 de novembro de 1996
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Cineasta diz que não é fã de westerns

ANNE BOULAY
MARIE COLMANT

ANNE BOULAY; MARIE COLMANT
DO "LIBÉRATION"

Para Jim Jarmusch, seu quinto filme, "Dead Man", é uma nova viagem impregnada de poesia épica. Leia a seguir os principais trechos de entrevista que o cineasta concedeu ao jornal francês "Libération".
Pergunta - Quais foram os westerns que o marcaram quando você era criança?
Jim Jarmusch - Não sou fã dos westerns. Eu me lembro que assistia a "Bonanza", mas aquilo não me interessava muito; eu preferia mil vezes os policiais e as histórias de crimes.
Eu gostava dos bandidos, dos fora-da-lei do velho oeste porque eram criminosos.
Mas o elemento western, no meu filme, não passa de ponto de partida; não se pode afirmar que o filme "Dead Man" seja um western no sentido tradicional do termo. É minha forma favorita de narrar a viagem.
Pergunta - É uma viagem em busca da morte, mas também das origens da América?
Jim Jarmusch - Sim, a vantagem do western é que ele nos fala da América. Minha preocupação não era fazer um filme realista, se bem que nos esforçamos para que até os mínimos detalhes fossem autênticos.
Mas não é um filme de época, feito para retratar o que realmente era o velho oeste. É uma história que se passa no oeste americano.
É claro que, nesse nível, o filme fala da América. Mas "Dead Man" também pode ser lido em outros níveis.
Pergunta - Por que você optou por contar a história do poeta William Blake por meio de "Dead Man"?
Jim Jarmusch - Quando eu era mais jovem, escrevia muito, era um pouco marginal. Também passava muito tempo lendo. Foi nessa época da minha vida que descobri William Blake, e a partir de então ele se tornou importante na minha vida.
A vida dele é fascinante. Mas não tenho a pretensão de querer ensinar às pessoas quem foi William Blake por meio desse filme, nem de dar aulas de literatura.
É claro que os aficionados de William Blake vão notar que o filme é todo pontilhado de citações do poeta.
Mas o espectador desavisado não precisa realmente dessa informação para apreciar ou compreender melhor o filme.
Antes de começar a escrever o roteiro, eu li muita coisa sobre os índios, além das obras de William Blake.
Uma coisa que me chamou a atenção foi que existem certas semelhanças entre os dois textos.
William Blake, por exemplo, odiava os códigos morais que nos regem, a idéia de que quem passar a vida inteira sendo bem-comportado terá sua recompensa no além.
Ele odiava a industrialização, as escolas, as prisões, o Exército, a igreja.
Apesar disso, porém, era muito religioso, à sua própria maneira. Era um místico que se apoiava sobre o humano.
Pergunta - O filme deslanchou com base no quê? O western, William Blake, os índios?
Jim Jarmusch - Sobre um clichê: um homem saindo para o oeste. Mas o personagem é o contrário de um clichê -um contador de Cleveland que vira um foragido famoso. E, desde o início, eu quis que o filme terminasse na aldeia indígena.
Pergunta - Você teve preocupações durante a filmagem de "Dead Man" por estar fora de sua área favorita?
Jim Jarmusch - Na realidade, não. A ambientação não tem importância para mim. O que conta é a história, são as relações entre os dois personagens.
No que me diz respeito, eu diria que poderiam ter sido dois sacerdotes na Grécia antiga ou dois astronautas num filme de ficção científica -não faria diferença alguma.

Tradução de Clara Allain.

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