São Paulo, sexta-feira, 1 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Portugal descobre o Pessoa tradutor

JAIR RATTNER
DE LISBOA

Já é possível ler todas as poesias traduzidas por Fernando Pessoa. Saiu em Portugal o livro "Fernando Pessoa Poeta-tradutor de Poetas", com mais de 70 poemas ou fragmentos que o escritor trouxe para o português. Do total, mais de 35 textos são inéditos e oito estavam no espólio do escritor.
Organizado pelo professor português Arnaldo Saraiva, o livro prova que, depois da publicação da poesia "Quando a Dor Me Amargurar", em 1902 -então com 14 anos-, a primeira vez que o nome de Pessoa aparece impresso é no Brasil.
As 13 traduções foram publicadas na "Biblioteca Internacional de Obras Célebres", uma enciclopédia de 24 volumes comercializada no Brasil, mas não em Portugal.
Traduzida e com a maior parte dos seus volumes impressos em Portugal, a coleção chegou ao Brasil em 1912.
Segundo Saraiva, a pesquisa começou a partir de um texto publicado na Folha. "Li em maio de 90 no (antigo) suplemento "Letras", cinco traduções esquecidas de Fernando Pessoa. Fiquei curioso para ver a obra, mas não se via em Portugal e não era referida em manuais ou estudos críticos."
Saraiva só conseguiu encontrar os textos em 1995. "Estava em um sebo em Porto Alegre e encontrei os 24 volumes da 'Biblioteca'. Folheando, encontrei uma poesia que a Folha não tinha publicado e que reconheci como tendo sido traduzida por Pessoa."
Saraiva acabou levando os 24 volumes para Portugal. Além de traduções de Tennyson, Wordsworth, Thomas Moore, John Whittier e James Lowell presentes no suplemento "Letras", encontrou traduções de mais oito escritores: os espanhóis Garcilaso de la Vega, Luís de Gongora, Francisco de Quevedo e os poetas de língua inglesa Coleridge, Shelley, Elizabeth Browning, Robert Browning e Rudiard Kipling.
Uma das novidades do livro de Saraiva é revelar que Pessoa também traduziu do espanhol, apesar de não falar bem o idioma. "Ele traduziu o espanhol clássico e com uma alta qualidade como tradutor", avalia Saraiva.
Ainda segundo Saraiva, pelas cartas existentes no espólio do poeta, também há na "Biblioteca" textos em prosa traduzidos por Pessoa. E não assinados.
Machado de Assis
Compilada em 1899 na Inglaterra, a edição original da "Biblioteca" traz uma panorâmica da poesia em inglês do século XIX. Em português, a coleção traz textos de autores brasileiros, como Machado de Assis.
Quando traduzia, Pessoa reescrevia os poemas a sua maneira (veja exemplo ao lado). "Ele revela uma tal paixão pelo texto dos outros que as traduções passam a ser uma espécie de proto-heterônimos. Posteriormente, em vez de traduzir outros, vai traduzir a si próprio", afirma o ensaísta e crítico Eduardo Lourenço.
Entre as modificações que Pessoa introduzia nas traduções, pode-se encontrar uma métrica mais comum na poesia de língua portuguesa do que na inglesa -os versos de oito sílabas tornam-se decassílabos. Pessoa também retirou nomes próprios.
Além das poesias da enciclopédia, Saraiva reuniu em seu livro poesias traduzidas por Pessoa e publicadas em revistas como "Presença", "Athena", além de inéditos, que estão no espólio do poeta, que se encontra na Biblioteca Nacional de Lisboa.
Drummond
Segundo Saraiva, a "Biblioteca" foi uma das grandes influências de Carlos Drummond de Andrade. Drummond recebeu os 24 volumes quando tinha 10 ou 11 anos de idade. Em 1966, quando Saraiva esteve na casa de Drummond, a coleção estava na estante.
Drummond refere-se à coleção duas vezes em sua obra. Primeiro, no inédito "Conversas de Rádio", em que descreve a emoção da chegada a sua casa dos 24 volumes. Também no poema "Biblioteca Verde", publicado no livro "Menino Antigo".

Texto Anterior: Atualidade marca estréia
Próximo Texto: TRADUÇÃO DE PESSOA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.