São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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Os fundos das campanhas

JANIO DE FREITAS

A recém-iniciada campanha dos governadores, pela redução do direito de se recorrer à Justiça contra os seus governos, acaba de ter no Rio um exemplo eloquente do que os motiva de fato. É, claro, mais uma decisão judicial provocada por ação popular, sustando abuso de poder envolvido em indícios de improbidade administrativa.
A liminar concedida pelo juiz Gabriel Zéfiro suspendeu a cobrança de 380 mil multas de trânsito aplicadas, segundo o governo fluminense, por excesso de velocidade na Linha Vermelha, uma das vias expressas do Rio. O governador Marcello Alencar transferiu a uma empresa privada o poder estadual de aplicar multas, remunerando-a com o percentual exuberante de 20% da arrecadação.
Este percentual explica, melhor do que os excessos de velocidade, a tão grande quantidade de multas em dez meses. Mas o que explica melhor a liminar contra a cobrança é que não houve concorrência pública para seleção da empresa detentora de tamanho maná. O governo dispensou a licitação sob o argumento de que a empresa escolhida é detentora de especialização notória. Mas nem poderia sê-lo, porque a atividade de multar no trânsito sempre foi exercida por agentes do Estado, nem faltam empresas no ramo em que a escolhida pode se apresentar como especializada.
A terceirização, sim, é uma especialidade do governo Marcello Alencar. É bem verdade que à sua maneira. Tantas são as trapalhadas feitas pelo governo fluminense para entregar o Banerj, terceirizado, ao Banco Bozano, Simonsen, que Marcello Alencar rompeu relações com o Tribunal de Contas do Estado. Aí está uma boa explicação para o realce de Alencar na campanha dos governadores pela extinção dos Tribunais de Contas.
Outra terceirização interessante é a entrega das contas mensais da Cedae, a companhia fluminense de águas e esgotos. Um, dois, três meses sem receber a conta, o consumidor liga para a Cedae e recebe esta explicação: "A entrega foi terceirizada, e a empresa não dá conta do serviço". Outros atendentes acrescentam a alegação de área perigosa -mas a Cedae entregava as contas e, nas áreas em questão, além de não ser favela, não há registro de riscos. Com ou sem entrega, porém, a empresa não deixa de ser paga.
Os casinhos citados eram para dar uma idéia do tipo de motivo que leva às campanhas recém-iniciadas pelos governadores. Acabou ficando, também, uma idéia do motivo de tanto prestígio que a terceirização goza entre eles.

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