São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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Os minoritários reagem

CELSO PINTO

Sinal dos tempos. O Grupo Gerdau e o Grupo Villares acabaram, no mês passado, com um privilégio que discriminava os acionistas minoritários: as chamadas "partes beneficiárias".
É algo importante, porque mostra como a entrada de investidores mais sofisticados no mercado de capitais brasileiro tem obrigado as empresas a tratar melhor os minoritários.
As "partes beneficiárias", amparadas pelo decreto-lei 2.627, garantiam a um grupo de acionistas uma participação fixa no lucro da empresa, por tempo indeterminado. A participação era de 10% no caso da Gerdau e de 5% no caso da Villares.
Isso quer dizer que, a despeito da participação acionária que possuíam, o grupo de acionistas beneficiados por esse regime especial tinha uma participação garantida sobre o lucro. Quanto mais aumentasse o capital da empresa, e esse grupo não acompanhasse o aumento, maior seria seu benefício relativo, já que sua fatia no lucro já estava dada. Perdiam os acionistas minoritários, que tinham de dividir entre si um bolo menor.
O edital da Gerdau argumenta que a existência das "partes beneficiárias" foi "um fator vital para o desenvolvimento das empresas por propiciarem às controladoras condições de acompanhar os aportes de capital que se fizeram necessários, mediante reinvestimento de valores recebidos". Ótimo para os controladores, mas e os minoritários? Analistas de mercado dizem que, exatamente em função desse mecanismo, as ações da Gerdau nunca decolaram, especialmente entre investidores profissionais mais sofisticados.
A Gerdau fez uma avaliação do valor dessas participações e resolveu pagar o valor total, R$ 90,6 milhões, permitindo que os beneficiários usassem o dinheiro para participar de um aumento de R$ 160 milhões no capital das três empresas do grupo: Metalúrgica Gerdau, Siderúrgica Riograndense e Cosigua.
A Villares preferiu acabar com o regime de "partes beneficiárias", equivalente a 5% do lucro, de uma forma mais vantajosa para os minoritários. Também foi feita uma avaliação de mercado do valor, R$ 23 milhões, e eles também poderão usar o dinheiro para subscrever um aumento de capital. Só que o farão a R$ 1,20 por ação, que é o seu valor patrimonial em junho deste ano. Como o preço das ações no mercado está abaixo disso, na prática significa que os acionistas com "partes beneficiárias" sofrerão um deságio. Não por acaso, o mercado recebeu melhor a fórmula da Villares do que a da Gerdau.
Os dois grupos eram os últimos grandes participantes do mercado que mantinham "partes beneficiárias". A Lojas Renner, que tinha "partes beneficiárias" para 10% de seus lucros, liquidou o privilégio em julho.
Os minoritários, de todo modo, ainda têm muito a caminhar até serem tratados como em outros países. As regras do jogo ajudam os controladores, a começar da estrutura de capital, que permite que dois terços do capital sejam constituídos por ações preferenciais sem direito a voto. Com isso, o controlador (ou controladores) consegue a maioria com apenas 16% do capital total da empresa.
Tentativas no passado recente para mudar essa regra esbarraram na resistência das empresas, especialmente das controladas por grupos familiares. Nas regras vigentes, como os minoritários não representam ameaça aos controladores nem têm um poder fiscalizador mais eficaz, são tratados como sócios de segunda classe por muitas empresas. São lembrados apenas quando se precisa de mais dinheiro.
A situação, contudo, está mudando. De um lado, a ampliação do mercado e a valorização das ações têm tornado mais atraente para as empresas buscar recursos nas Bolsas. De outro, a presença cada vez maior de investidores institucionais, internos e internacionais, tem obrigado muitas empresas a prestar cada vez mais atenção aos investidores. Qualquer esperteza embutida nas regras, ou na estrutura societária das empresas, acaba punida sob a forma de preços relativamente mais baixos.

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