São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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Viúva de piloto diz que queria morrer

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mariangela Gardinali Moreno, 32, a viúva do piloto José Antonio Moreno, 35, lamenta não ter estado ao lado do marido no momento em que o Fokker 100 da TAM caiu. Moreno, que comandava o avião, morreu junto com os passageiros e tripulantes na manhã da última quinta-feira.
"Eu queria morrer ao lado dele. Era um pacto entre nós, mas ele não cumpriu sua parte", diz sem chorar. Na tarde de ontem, folheando os álbuns da família, Mariangela lembrava que em cada viagem o marido levava um salmo da Bíblia que ela copiava no computador.
"Quando a gente viajava junto, eu entrava no avião e dizia: 'Deus, se tiver de ser agora, vou estar feliz'. Mas ele acabou morrendo sozinho."
Brenda, a únic filha do casal, tem 2 anos meio e ainda não sabe de nada. Uma psicóloga da TAM iniciou ontem uma série de sessões com a mãe e a filha para ajudar a dar a notícia.
"O pai e a Brenda eram grudados", diz Mariangela. Desde que nasceu, sempre que estava em casa, era o pai que dava banho, trocava fraldas e segurava a mamadeira. Na quarta-feira, véspera do acidente, pai e filha andaram no carrossel do Shopping Center Norte e à noite, em casa, Brenda brincou de touro cavalgando o pai, como gostava de fazer. Na manhã seguinte, a filha dormia quando Moreno saiu para o vôo 402.
Moreno foi o primeiro namorado de Mariangela. Os dois se conheceram ainda criança quando ela, paulistana da Mooca, passava as férias na fazenda de uma tia, em Mogi Mirim (157 km a noroeste de SP). Na fazenda vizinha, morava a família de José Antonio.
Desde menino, ele só pensava em aviões. "Com 11 anos dirigia tratores olhando para o céu", conta a irmã Maria Ângela Moreno Cossi, 34. Tanto insistiu que um dia o pai alugou um pequeno avião para que o menino pudesse saber se queria mesmo ser piloto. "O piloto fez tantas acrobacias sobre a fazenda que o pai passou mal, mas o Zé Antonio desceu feliz como nunca."
Aos 16 anos conseguiu o brevê e em 1987 já era piloto da TAM. Em cinco anos, passou de co-piloto de Bandeirantes para comandante de Fokker 100.
Três dias antes do vôo, Moreno lembrou a mulher que queria ser cremado e pediu que não chorassem se morresse voando, porque morreria feliz. Não pôde ser atendido. Seu corpo só poderá ser cremado quando a Justiça der o acidente por encerrado.

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