São Paulo, quarta-feira, 6 de novembro de 1996
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O Brasil e o ano 2000

MARCO MACIEL

O advento do ano 2000 é emblemático para toda a civilização ocidental e para a maior parte da humanidade. Findo o ano 1999, não estaremos apenas mudando de século, mas ultrapassando o umbral do novo milênio, ainda que, cronologicamente, pelas regras do calendário gregoriano, isso só venha a ocorrer a partir do início do ano 2001.
Esse novo milênio assinala o jubileu do nascimento de Cristo, que dividiu a história, e para o qual a Igreja Católica já prepara as mais significativas comemorações.
Ao mesmo tempo, é uma confraternização que transcende o aspecto religioso para ganhar uma dimensão humana universal, na medida em que o cristianismo significa, mais do que uma fé, uma crença, uma rica, profunda e diversificada herança de uma série de conquistas nos campos filosófico, científico, ético, social, político, artístico e econômico, envolvendo os cristãos de todo o mundo e a própria doutrina da igreja.
No caso do Brasil, acresce a circunstância de coincidirem todas essas comemorações com um acontecimento igualmente relevante da nossa existência como nação. Veremos transcorrer, na virada do século, nossos 500 anos de incorporação a esse legado que, a partir do círculo dos grandes descobrimentos marítimos, se expandiu, cresceu e revelou novos mundos aos antigos limites das civilizações mediterrâneas.
Avaliar o que foi nossa trajetória no curso desses cinco séculos é tarefa para muitas gerações. Ela vem sendo desempenhada desde que Pero Vaz de Caminha deu, com sua carta, notícia do "achamento" das novas terras.
Além das solenidades que vamos celebrar com os portugueses para evocar essa epopéia, que uniu nossos destinos, temos também o dever de aproveitar esses marcos cronológicos para renovarmos o compromisso patriótico com nós mesmos, com as gerações que nos precederam e com as que nos vão suceder.
Tal como se tem verificado em momentos grandiosos, de que são exemplos o Centenário da Independência, celebrado em 1922, e o da República, lembrado em 1989, precisamos repensar o Brasil, refletindo sobre o nosso próprio futuro.
O que se impõe, na minha opinião, tal como já fiz como senador, em 1983, com a indispensável antecedência, em relação aos centenários da República e da primeira Constituição republicana, não é apenas comemorar as datas, mas fazer uma reflexão sobre o nosso passado e as expectativas do futuro, centrando-se, sobretudo, nos caminhos que devemos buscar.
Em nosso caso, não se trata apenas de um encontro ou choque de culturas, como se pretendeu fazer com relação ao 5º Centenário do Descobrimento da América, em 1992. Mesmo porque, para começar, não vivenciamos um "encontro" ou "choque" de duas, mas de muitas culturas, em que negros e índios têm enorme papel, ainda hoje não convenientemente avaliado.
Duas circunstâncias, por sinal, que não podem ser esquecidas. A primeira é que somos a maior nação negra fora da África e a segunda no mundo. E a outra é que, a despeito do abandono e até, algumas vezes, do extermínio, ainda brigamos com uma das maiores diversidades étnicas de grupos indígenas que devemos preservar.
Impõe-se, desde já, mobilizar, ao lado do governo, todos os segmentos representativos de nossa enorme diversidade e de nossas instituições, que compõem o patrimônio cultural de nosso processo civilizatório, para dizermos não somente onde falhamos ou como corrigirmos nossos próprios erros, mas algo mais significativo: como podemos acertar e de que forma pode cada um contribuir para preparar o futuro de toda esta vasta e promissora nação de brasileiros, integrada por origens diversas, que, de forma tão rica quanto criativa, se irmanaram no propósito de construir este país.

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