São Paulo, sábado, 9 de novembro de 1996
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O mar envenenado

CARLOS HEITOR CONY

Jerusalém - A cidade está fazendo 3.000 anos. Tanta e tamanha idade tem um preço, ou melhor, teve vários preços. Um deles foi a destruição do segundo templo, no ano 70 depois de Cristo -ou, como preferem os judeus, da era comum. Os romanos não perdoaram a tentativa de rebelião da distante província e romperam o compromisso que dava à antiga Judéia um simulacro de autonomia.
Tito -que mais tarde seria imperador e chamado de "delícia do gênero humano"- arrasou Jerusalém, não poupou o templo e profanou com sua presença pagã o Santo dos Santos -o local mais sagrado do templo sagrado. Para espanto do futuro dono do mundo, ele nada encontrou naquele lugar, além das paredes de pedras nuas e frias. No fundo, toda religião precisa de um espaço assim, feito do nada que simboliza o tudo.
Bem, os judeus iniciaram a diáspora, alguns poucos se concentraram numa antiga fortaleza erguida por Herodes às margens do mar Morto -de onde acabo de chegar depois de mergulhar pela segunda vez minha fatigada carne numa água tão salgada que é impossível morrer afogado: como a retórica e a burrice humana, ela bóia.
Quatrocentos metros abaixo do nível do mar, a enorme poça parece realmente o cadáver de um grande lago, pastoso e azul, onde nada se mexe. Diante daquele mar envenenado, os romanos decidiram acabar com os judeus ali concentrados. Duro com duro não faz bom muro: os judeus se mataram uns aos outros, no mais dramático suicídio coletivo da história. E os romanos conquistaram um túmulo.
A caminho do mar Morto, passei por Hebron, que está envenenando a paz fragilizada entre judeus e palestinos. Na gruta de Mapala estão enterrados Isaac, Jacó e, principalmente, Abraão, patriarca e pai comum de árabes e judeus. Há um antigo projeto de ligar o mar envenenado com o Mediterrâneo. Seria uma tentativa mais esotérica do que técnica de acabar com uma crise que quatro guerras e o fanatismo de ambos os lados não conseguiram resolver.

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