São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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A concepção saderiana das nacionalidades

ELIO GASPARI

O professor Emir Sader, da Universidade de São Paulo, cometeu um grosseria gratuita e preconceituosa contra seu colega Roberto Mangabeira Unger, de Harvard. Resenhando o livro Zona de Compromisso, do historiador inglês Perry Anderson, chamou-o de "brasileiro/norte-americano".
Tristeza. Mangabeira já havia sido patrulhado com a supressão de um artigo sobre sua obra que constava da edição inglesa do trabalho de Anderson. Adicionando insulto à patrulha, Sader pespega-lhe uma vulgaridade.
Ela é produto da ignorância porque Mangabeira, sendo filho de pai americano e mãe brasileira, teve direito à dupla nacionalidade. Num país onde há gente que corta um braço para virar americano, ele renunciou a essa possibilidade logo que completou 18 anos. Aos 27, como brasileiro, tornou-se o professor catedrático mais jovem da história da Faculdade de Direito de Harvard.
Hoje em dia Mangabeira está envolvido na política nacional. Já assessorou Leonel Brizola e há poucos meses publicou um livro em parceria com o ex-ministro Ciro Gomes. Escreve coisas e exercita preferências das quais se pode discordar, mas uma coisa é certa: emprego, estabilidade ou aposentadoria são coisas que não está procurando, até porque não precisa delas.
O insulto é também produto da leviandade porque se a ascendência familiar tem algum valor, Sader devia saber que seu "brasileiro/norte-americano" é neto de Otavio Mangabeira, um batalhador das liberdades públicas durante a ditadura de Getulio Vargas. É filho de Edila Mangabeira, uma corajosa mulher que escreveu ao general João Batista Figueiredo uma das cartas mais duras que já entraram no Palácio do Planalto.
Em pleno regime militar, contestava a política do governo, que negava a anistia àqueles que chamava de "terroristas". (Sua filha Nancy fora presa e banida do Brasil em troca da libertação do embaixador suiço, em 1971.) Disse Edila a Figueiredo, em carta manuscrita. assinada,, com endereço e CEP:
-Terrorismo, senhor general, é o que ocorreu nas tristes salas de tortura, nos porões dos quartéis, numa das fases mais negras da nossa Historia.
A menos que o professor da USP consiga demonstrar que Emir Sader é um nome tupi-guarani, perdeu uma oportunidade de mostrar bons modos. Terá platéia caso sustente que o professor Luis Hildebrando Pereira da Silva, do Instituto Pasteur, é um "franco/brasileiro" ou que o professor Wilson Martins, da Universidade de Nova York, é outro "brasileiro/norte-americano". Que tal tentar a tese de que o José Bonifácio, por membro da Academia de Ciências da Suécia, foi um "sueco/brasileiro".

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