São Paulo, domingo, 10 de novembro de 1996
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Cientistas testam aparelho para dar visão aos cegos

GILBERTO DIMENSTEIN

No próximo mês começa a ser testada nos EUA a reprodução em laboratório de um milagre atribuído a Jesus Cristo, descrito por São Mateus: devolver a visão aos cegos.
Cientistas do prestigioso Instituto Nacional de Prótese Neurológica desenvolveram um olho de vidro com minúscula câmera embutida. O olho é implantado no paciente; as imagens são captadas e traduzidas por chips (a mente do computador) implantados no córtex cerebral, onde se controla a visão.
Simplificando: é algo semelhante a alguém mandar para o aparelho de TV imagens colhidas por uma câmara de vídeo conectada por um fio.
Um cego vai testar a invenção, observado por olhos atentos de empresas comerciais, dispostas a desenvolvê-la e, se bem-sucedida, comercializá-la.
Tamanho interesse é compreensível. Primeiro, o time de cientistas tem em seu currículo respeitável coleção de descobertas e livros publicados; o chefe da equipe, Terry Hambrecht, um engenheiro elétrico, incrustou peças em paraplégicos, facilitando movimentos.
Segundo: apenas nos EUA, há um mercado de 12 milhões de pessoas que não enxergam e estariam dispostas a pagar muito dinheiro pelo olho computadorizado.
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O olho mágico faz parte da enxurrada de descobertas e experiências que, nesse final de século, dão um toque de bruxaria à ciência. Os bruxos modernos são respeitáveis professores e cientistas, que recebem toneladas de dinheiro para suas pesquisas.
Nem a busca da imortalidade, também descrita na Bíblia, escapa à ciência moderna. Estimulados pela lenda da fonte da juventude eterna, cientistas estudam os mecanismos do envelhecimento do corpo humano e buscam uma forma de parar ou retardar o relógio biológico.
A crença nos poderes da tecnologia chegou tão longe que tem gente, aqui nos EUA, que não quer ser enterrada ou cremada depois de morta. Preferem pagar, e caro, para ficarem congeladas até que a ciência, enfim, lhes restitua a vida eterna.
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Ao pagarem para serem congelados, eles são chamados pela imprensa de exóticos, sonhadores, extravagantes. Mas não de loucos. Justamente porque a ciência popularizou e deu credibilidade ao que seria chamado de alucinação até pouco tempo. As novas máquinas mudaram, inclusive, o conceito de paralisia; na frente de um computador, um paraplégico consegue executar tarefas como escrever, folhear um livro, controlar a casa ou a conta bancária.
Os governos dos países ricos pagam fortunas para cientistas desenvolverem o Projeto Genoma, mapa do funcionamento do corpo humano. Traduzindo: seria possível descobrir com antecedência se uma pessoa vai ter câncer ou infarto. E, então, o gene defeituoso seria consertado, como alguém troca o pneu de um carro.
O Projeto Genoma é levado tão a sério que as empresas de seguro já anunciam a disposição de cobrar de acordo com os resultados do exame genético. Vão enfiar a faca de geração em geração.
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Alucinações e maluquices à parte, o final de século é uma vitória dos sonhadores e otimistas; e uma derrota dos catastrofistas, que imaginavam o planeta dominado pela fome, ditadura e destruição nuclear.
Nunca o homem viveu tanto e com tanta saúde. Até a cura da impotência sexual foi convertida em pílulas. Um operário no Brasil vive hoje mais do que um rei na Idade Média.
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Está programado para o próximo ano o provão também para os alunos de medicina. Aí vamos ver que tipo de profissional estão formando para salvar vidas. Se o que me dizem médicos sérios for verdade, a nação vai ficar estarrecida, tantas são as faculdades de fundo de quintal espalhadas pelo país.
Quando entrar num consultório, quero ver pendurado na parede não apenas o diploma, mas a nota do provão. Gostaria de saber se os iluminados da UNE, professores e reitores com medo da avaliação deixariam seus filhos nas mãos de um pediatra ou cirurgião que se saiu mal no provão.
O provão é incompleto, a avaliação depende de uma série de fatos, certamente vai ser melhorado, com as sugestões de acadêmicos sérios. Mas o presidente Fernando Henrique Cardoso e seu ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, merecem reconhecimento por terem desafiado a burocracia universitária e trazido ao debate nacional o tema do ensino superior.
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PS - Raros sinais seriam mais eloquentes do avanço da agenda brasileira do que a popularização do debate sobre educação.
Nas minhas viagens ao Brasil, fico surpreso com o número de pessoas que, pessimistas, não enxergam melhora em nada. Reclamam de tudo, não têm qualquer participação na comunidade. São cegos funcionais e invertem o princípio de São Tomé: precisam crer para não ver. Para esse mal, não há solução, nem mesmo olho computadorizado.

E-mail gdimen@gnn.com.
Fax (001-212) 873-1045

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