São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996
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Jardim Ângela é campeão de crimes em SP

VICTOR AGOSTINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, é o distrito que registra mais assassinatos de adolescentes na cidade. A taxa de homicídios da região, 108 por 100 mil pessoas, é a mais alta conhecida no Brasil.
O delegado Márcio Watanabe, do 92º DP, afirma que os "ajustes de conta" são comuns entre traficantes e consumidores.
"O traficante dá um crédito ao consumidor e quer recebê-lo depois, não importa como. Se o viciado não pagar, é morto", disse.
Foi o que aconteceu com os irmãos gêmeos Wilson Roque Xavier e Welton Luiz Roque Xavier, ambos com 15 anos.
A tia dos dois, a faxineira Rosilda Roque Xavier, 46, conta que os sobrinhos ficaram devendo dinheiro para os traficantes e, por isso, foram mortos. O crime aconteceu a 50 metros do barraco de um cômodo onde a família Xavier vive. Wilson foi morto com tiros na cabeça ainda sob efeito do crack.
O irmão Welton, embora tenha recebido um tiro na boca e outro na perna, sobreviveu. Os traficantes abandonaram os dois na calçada sem saber que Welton vivia.
"Logo depois que ele se recuperou, voltou para as drogas. Faz uma semana que ele não passa aqui em casa. Acho que está vivo", disse a tia.
Contrariando a "lei do silêncio" que impera no bairro, Rosilda faz críticas à atuação da polícia: "A polícia nem quer saber quem mata as crianças, ainda mais quando eles descobrem que tem droga no meio. Ninguém veio aqui investigar. Nem perguntaram se a gente viu quem matou".
Morte do filho
A vizinha de Rosilda, Sueli Lira Alves, 45, foi obrigada, em julho, a passar pela experiência de assistir pela janela de sua casa o assassinato do filho.
Marcelo Vieira Lira Alves, 18, estava chegando em casa embriagado quando dois homens o empurraram no chão e começaram a atirar nele.
O assassinato ocorreu na porta da casa da família. Marcelo não morreu na hora. "Ficou agonizando", conta a irmã Teresa.
A família não sabe quem matou, afirma que Marcelo não estava envolvido com drogas e evita falar sobre o assassinato. O trauma do homicídio e o medo de represálias são grandes.
A casa dos Alves foi posta à venda por R$ 8.000. "Quero ir embora daqui. Isso é muito violento. Aqui a vida não vale nada. Tenho medo que matem também meu neto", disse Sueli.
Trinta e cinco quilômetros separam o céu e o inferno paulistanos. O bairro da Consolação (região central) é considerado para os adolescentes o mais seguro: não houve registros de assassinatos de menores no último ano.
"Não tem gangues, e uma coisa que eu já percebi, é que os pivetes que normalmente ficam nos faróis vão embora logo", disse a ginecologista Célia Salgado de Mendonça, 37, que mora há cinco anos no bairro.
Célia acredita que a Consolação é uma "ilha de Primeiro Mundo" dentro de São Paulo. "Ando à noite sem problemas, vou aos cinemas a pé e só fui assaltada uma vez na feira por gente que tenho certeza que não era do bairro".
"Sinto-me muito tranquila aqui. Meus sobrinhos se sentem à vontade quando vêm me visitar. Não quero me mudar daqui", afirmou.

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