São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996
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Moradores vivem da solidariedade

SILVIA RUIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

A chegada da reportagem da Folha movimentou a favela do Tiro ao Pombo, que fica em um morro da Vila Penteado (zona norte de São Paulo). Em poucos minutos espalhou-se a notícia de que "o pessoal que iria distribuir cestas básicas havia chegado". Foi preciso explicar a cada um que tratava-se apenas de um trabalho de reportagem sobre a campanha Natal sem Fome.
Esgoto a céu aberto
Em um terreno invadido há dois anos, 600 famílias vivem em barracos de madeira. No muro que circunda um dos lados do terreno, o alerta está em letras garrafais: "Cuidado, área de risco". Dezenas de crianças brincam nas vielas estreitas e íngremes, onde o esgoto corre a céu aberto.
No Natal do ano passado, 180 cestas básicas foram distribuídas aos moradores do Tiro ao Pombo pelo comitê da Ação da Cidadania da Vila Penteado.
Quem organizou a distribuição foi a Betinha, Josefa Cordeiro da Silva, 52, moradora da favela vizinha, a favela do Pó. Ela já foi presidente da associação dos moradores. Hoje é uma espécie de líder informal e faz o papel de enfermeira, terapeuta, pedreira e o que mais for preciso para ajudar. "Se eu vivo em uma situação melhor, por que não ajudar?", pergunta Betinha, que é cumprimentada por todo mundo enquanto caminha pelas vielas da favela.
Constrangimento
Quando os moradores convidam para entrar, a maioria pede para "não reparar a bagunça". Há um certo constrangimento por parte de todos, que vão logo explicando que foram parar ali porque perderam o emprego, porque não podiam mais pagar o aluguel etc.
Devido à solidariedade da comunidade, poucos moradores chegam a passar fome. "Quando falta comida na casa de alguém a gente divide o que tem com eles", diz Josefa Mariano da Silva, 54.
Ela mora em um barraco de um cômodo com mais oito pessoas. Dos seus seis filhos, apenas um está empregado. A renda da família toda é de R$ 290. Josefa diz que está vivendo da ajuda dos vizinhos. "O dinheiro só dá para fazer feijão e arroz. Às vezes compramos ovo. Carne só dá para comer no fim-de-semana."
Comida em vez de roupa
Ela diz que espera receber uma cesta básica neste final de ano, mas não vai preparar nada de especial para a noite de Natal.
"Eu não gosto nem de pensar nisso", diz Josefa, "todo mundo quer uma roupa nova no Natal, mas a comida é o que a gente mais precisa".
Lindomara Pereira de Lima, 29, mãe de cinco filhos, concorda: "Quando dá a gente até compra um carrinho para cada um. Mas tem sempre de pensar na comida antes."

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