São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996
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Claire Bloom, Phillip Roth, desamor rende novo livro

FERNANDO GABEIRA
COLUNISTA DA FOLHA

Uma das mais dolorosas experiências humanas, talvez a mais dolorosa, é a separação. Assim pensa Igor Caruso, o psicanalista que dedicou um livro às várias dimensões do problema.
Se o livro de Caruso é geral e teórico, o da atriz Claire Bloom ("Leaving a Doll's House") é bastante específico, pois trata de seu caso de 18 anos com o escritor Phillip Roth.
Quando se conheceram, Claire já era uma atriz bem-sucedida e era casada com Rod Steiger. Phillip acabara de lançar "Good Bye Columbus", um livro de contos, e a crítica o considerava um grande talento.
A história da relação dos dois, contada sempre sob a ótica de Claire, confirma algumas das teses de Caruso sobre a dramaticidade de uma separação. Mas introduz alguns elementos meio patéticos que escaparam ao psicanalista do Círculo Vienense.
Depois de um rápido período de negociações, Claire e Phillip chegaram a um acordo de US$ 100 mil, que deveriam ser pagos à atriz como parte do patrimônio do casal que ficaria com ele.
Algumas semanas depois, Phillip bombardeou a casa de Claire com mensagens por fax, cobrando tudo que pensava ter direito, inclusive as horas em que passou ensaiando scripts junto com a atriz (US$ 150 por hora), parte das férias em Marrakech, 40% do carro, livros e discos que comprou para ela -enfim, uma conta que esgotou várias vezes o rolo de papel da máquina.
Isso parece um pouco com a canção de Chico Buarque ("devolve o Neruda que você levou"), mas termina com uma saída singular. Phillip, por considerar que Claire rompeu com um acordo pré-nupcial firmado pelos dois, arbitrava a multa de US$ 62 bilhões, US$ 1 bilhão a cada ano de vida da atriz.
O livro de Claire Bloom sai dentro de dois meses e o que se conhecem agora são apenas alguns longos trechos publicados nos EUA. Neles, Phillip Roth, apesar de sua solidez como escritor, aparece bastante dependente da opinião dos críticos e da mídia.
"Operation Shylock", que considerava seu principal livro, foi recebido friamente. E isso contribuiu para que entrasse, de novo, numa terrível depressão.
Não sei se a cena final do livro é esta, mas Claire descreve, na síntese publicada em "Vanity Fair", seu encontro com Phillip meses depois da separação. Ele perguntou se ela não queria voltar a ser sua amiga. Ela disse que era tudo o que queria.
Foi marcado um jantar onde definiriam o novo pacto de amizade. Claire foi ao cabeleireiro, fez tratamento de pele, cuidou das unhas e partiu cheia de esperança. Naquele período longo em que se toma o café após o jantar, Phillip tagarelou mecanicamente sobre vários temas, e ela perguntou, finalmente, por que ele queria voltar a ser amigo dela. Ele hesitou, quase abriu um sorriso e disse:
- Oh, perversão...
Ela deixou o restaurante jurando que não passaria mais isso e começou sua nova vida.
Se as coisas aconteceram mesmo como Claire conta, ela já deveria ter intuído esse jogo. A primeira grande exigência que Phillip fez para morarem juntos foi que ela expulsasse de casa a filha adolescente, Anna. As duas viviam juntas desde o nascimento da menina, que era insegura e dependia da mãe.
Claire aceitou. Da mesma maneira, reagiu apenas debilmente quando leu os originais de um livro de Phillip em que o personagem tinha uma mulher de meia-idade e chata chamada Claire e se divertia fazendo amor com inúmeras jovens que frequentavam sua casa. Claire limitou-se a exigir que seu nome fosse trocado.
Finalmente, logo após a separação, descobriu que ele estava transando com Erda, amiga do casal. Claire admite que foi a última a saber. No primeiro grande momento, aquele em que foi forçada a se separar da própria filha, Claire estava começando a aceitar as regras de um jogo que terminou após a sobremesa do último jantar a dois. Oh, perversão...
O importante é que ela deu a volta por cima e, pelo menos, consegue ajustar contas com Phillip por meio do instrumento que ele a ajudou a gostar: o livro.
Para Claire, a presença dos livros, a leitura e a escrita, a discussão sobre textos, eram as atividades mais vitais e consequentes de Phillip. Ver o discurso da ex-mulher transformado num livro talvez seja a única maneira de se deixar emocionar por ele.
Num caso como esse, não há outro caminho, a não ser esperar pelo próximo lançamento.

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