São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 1996
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Belchior só tem medo de avião em música

ISABELLE SOMMA; MARISTELA DO VALLE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Foi por medo de avião, que eu segurei pela primeira vez a sua mão." Quando se fala em medo de avião, a maioria dos brasileiros lembra desse trecho da música de Belchior. Mas a música guarda uma surpresa: Belchior não tem, e nunca teve, medo de avião.
Pelo contrário, quando o cantor foi do Ceará para o Rio de Janeiro, aos 23 anos, pegou uma carona num avião do Correio Aéreo Nacional e viajou por 72 horas.
"A viagem foi mais demorada que um percurso de ônibus, que dura normalmente 58 horas", lembra o cantor. Isso porque o avião parava várias vezes para pegar e entregar correspondência.
Belchior conta que já estava pensando em fazer uma música sobre o tema porque sempre via vários artistas que tinham o problema.
Ele lembra que o poeta Vinícius de Moraes sempre gritava nomes de santos desconhecidos quando entrava num avião. Uma vez, perguntaram por que ele não rezava para santos mais conhecidos, e o poeta respondeu: "Porque todos eles devem estar ocupados com os outros passageiros do avião".
Outro artista que morre de medo de avião é o sanfoneiro e compositor Dominguinhos, 55. Ele não viaja de avião há dez anos. "Viajo quase o Brasil inteiro de carro. Quando tenho shows no Nordeste, fico três dias na estrada."
O compositor conta que, dependendo do destino, é acompanhado por um músico e o motorista da banda, e eles se revezam dirigindo.
"Tenho consciência de que as estradas são mais perigosas do que o avião porque há muitos motoristas irresponsáveis, malucos. Mas tenho a impressão de que o carro a gente pode controlar."
O medo de avião de Dominguinhos não é inato. "Por 30 anos, pegava aviões de todos os tamanhos. Acho que o medo surgiu de tanto andar de avião."
Ele lembra que a última vez que usou o meio de transporte foi em uma viagem a Imperatriz (MA). Ele não queria ir, mas o também sanfoneiro e compositor Luiz Gonzaga o convenceu, e foram fazer um show juntos lá.
"Meu problema era entrar no avião. Quando estava lá dentro, eu ficava tranquilo", conta Dominguinhos, que deixa de fazer shows no exterior por causa do medo.
Momento fatal
"Quando subo num avião, fico só esperando o momento fatal", conta o economista Rodolfo Piano, 60. "Meu medo é tão grande que não há nada que possa aumentá-lo. Nem o acidente da TAM."
Piano não deixa de viajar, mas evita. "Prefiro alugar carro ou viajar de trem." Em uma viagem que fez em 1972, havia troca de avião no Rio, e ele aproveitou para escapar. "Voltei de trem enquanto minha mulher foi para São Paulo de avião. Para que sofrer mais?"
O economista conta que, no avião, gruda a cara na janelinha para estar ciente do que está acontecendo, mesmo em vôo noturno. Piano diz não ter vergonha do medo. "Nós, que temos medo de avião, é que somos sabidos."
O "receio" da cabeleireira Diva Tavares Campos, 47, surgiu na segunda vez que pegou um avião na vida, entre o Rio e São Paulo.
Mas a apreensão se intensificou depois de uma turbulência durante uma viagem a Buenos Aires.
"A comida que estava sendo servida caiu toda. As pessoas começaram a gritar. Eu tomei o uísque do colega ao lado. Aí eu pensei: 'O que tiver de acontecer, acontecerá'", lembra.
(IS e MV)

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