São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Pixote" de Babenco cresceu com o tempo

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Rever "Pixote, a Lei do Mais Fraco" uma década e meia depois de seu lançamento pode ser uma experiência apaixonante.
Já não estamos diante de um filme "de denúncia" das condições em que trabalham instituições tipo Febem, nem de um sistema que, em vez de preparar os menores para a vida social, atira-os em linha reta na criminalidade.
Já não é preciso dar tanta importância à arbitrariedade policial, à hipocrisia (por vezes bem-intencionada) e à injustiça mostradas: elas estão lá, mas seu peso é outro.
O que mudou? Primeiro, o Brasil. Sem o governo militar, numa situação constitucional plena, o que o filme podia ter (ou aparentar) de engajado dissipou-se.
Como o problema da criminalidade infanto-juvenil não declinou e os abismos sociais que o filme apontava continuam abissais, o quadro desenhado pelo filme permanece de certa forma intacto.
Hoje, porém, ninguém pensará em empurrar a culpa do problema para outro. Se há culpa, ela pertence ao passado. De algum modo, todo espectador é responsável e vítima. Resumindo, "Pixote" é hoje um filme bem mais chocante do que em 1980.
Mudou também o cinema. Hoje, o espectador é chamado a ver "pixotes" diretamente inspirados por este filme. "Quem Matou Pixote?", de José Joffily, joga a carta da demagogia e do melodrama. "Como Nascem os Anjos", de Murilo Salles, trabalha a "inocência" de seus jovens protagonistas.
Nada disso em "Pixote". Em nenhum momento, o filme esvazia Pixote e amigos de sua integridade e complexidade. Nunca permite que o problema pessoal dissolva-se ou seja absorvido pelo social: ambos existem, em esferas distintas. Babenco não passa a mão na cabeça de seus heróis. Mostra-os. Isso já é trágico o bastante. Também nesse sentido, "Pixote" cresceu com o tempo.
(IA)

Filme: Pixote, a Lei do Mais Fraco
Produção: Brasil, 1980
Direção: Hector Babenco
Com: Fernando Ramos da Silva, Marília Pera
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, sala 3

Texto Anterior: Nova York foi inspiração
Próximo Texto: "Anjos Caídos" revive glória "néon-realista"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.