São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Mais um erro da imprensa

LUÍS NASSIF

No meio da semana, nós, da imprensa, abrimos chamadas burocráticas em rádios, televisões e jornais: "Mais um erro da polícia".
Referíamo-nos ao caso Bodega: dois rapazes de classe média assassinados em um assalto; sete suspeitos presos, quase todos pretos, quase todos pobres.
Algumas semanas atrás, um promotor corajoso opinou por sua libertação, denunciando que tinham sido vítimas de tortura. E foi alvo de críticas candentes.
Soltos os suspeitos, o caso muda de delegacia e se chega a novos suspeitos. E as chamadas burocráticas na imprensa repetem mais uma cerimônia de lava-mãos: mais um erro da polícia.
Só isso? E as reportagens que condenaram a todos antecipadamente? Como ficamos nós, como fica nossa responsabilidade social?
Os sete jovens confessaram o crime sob tortura. Durante dias, jornalistas se tornaram íntimos do delegado. Receberam as informações que ele quis passar, frequentaram a delegacia, tiveram acesso aos suspeitos. E não saiu nem uma linha sequer informando a opinião pública de que tinham sido torturados!
O que está acontecendo com a gente? Anos de resistência contra a ditadura, luta contra a censura, pelos direitos humanos, tudo reduzido a uma busca sôfrega de sensacionalismo, a um vale-tudo, no qual tudo é permitido, desde que seja obtida a matéria de impacto.
Processos reiterados de linchamento, com jornalistas comportando-se como policiais ou como linchadores vulgares.
Contra a onda
No vergonhoso episódio da Escola Base, dois dias antes da prisão de um casal inocente, jornalistas tiveram acesso a laudos indicando que assadura era a causa mais provável do dilatamento do ânus das crianças.
E se permitiu que inocentes fossem para o matadouro, para não se correr o risco de andar na contramão.
Depois dessa vergonha, esperava-se que o processo de autocrítica levasse a uma auto-regulação, à definição de regras mínimas de respeito aos direitos individuais.
Mas o que se vê é o prosseguimento sistemático desses processos de linchamento, com a prepotência sendo exercida em todos os níveis.
Jovens ou veteranos, somos os donos do canhão, atirando a torto e a direito contra tudo e contra todos, com a onipotência de deuses do Olimpo e com a certeza de que a outra parte não terá como se defender.
Caso Jatene
Durante meses, a opinião pública ouviu que o ex-ministro Adib Jatene tinha pretensões políticas e sairia atirando do ministério. Não bastava criticar seu estilo de gestão. Tinha-se que desqualificá-lo.
Com todos os seus equívocos administrativos, o ministro saiu altivo, digno, demonstrando do início ao fim de sua gestão absoluta transparência e nobreza de conduta.
Em nenhum momento deu uma única pista que permitisse insinuar comportamento oportunista. No entanto, passou por aventureiro inescrupuloso durante todo o período.
Cometeram injúria contra o ministro, passaram informações falsas para o público. E o que aconteceu? Nada. Não há cobranças a posteriori.
Como não correu risco nenhum o crítico que foi esnobado pela jovem cantora e resolveu destruir sua reputação, numa retaliação desproporcionalmente cruel.
Ou a reportagem de televisão que colocou o funcionário de uma empresa aérea de costas, sem identificá-lo, permitindo-lhe que falasse o que quisesse sobre a companhia para 50 milhões de telespectadores.
Sem riscos
Criamos essa oitava maravilha da impunidade que é o jornalismo sem riscos.
Mas será que é isso que queremos? É cômoda essa posição de, em vez de respeito, infundir temor? É agradável estar numa roda e sentir que todos se calam quando descobrem que há um jornalista no meio?
Ou se recuperam rapidamente os valores éticos fundamentais da profissão ou corremos o risco de até continuarmos poderosos, mas sem nenhuma condição de permanecermos respeitados.

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