São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Há vozes, às vezes

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Vicentinho fez uma greve de fome fajuta, só de 24 horas -coisa que qualquer paciente faz na véspera de um exame clínico mais complicado.
Sua causa foi nobre -o que não é o meu caso. Fiz também a minha greve particular, recusando-me civicamente a me interessar pelas eleições municipais. Tenho meus motivos -embora reconheça que não são nobres, como já disse.
Além dos problemas pessoais a que todos temos direito, continuo estranhando a tranquilidade com que antigos esquerdistas admitem o fim da preocupação social na elaboração e execução da política.
O deslumbramento provocado pelo neoliberalismo só deixa de ser idiota quando, além do deslumbramento em si, gera um tipo de poder como o do atual governo brasileiro. Não se trata, então, do fascínio pelos resultados contábeis, mas do simples "apelo do poder" que explica ou justifica qualquer prática política.
Às vezes, há vozes -não se trata de um trocadilho. Agora mesmo, no Paraguai, Alain Touraine criticou mais uma vez o Tratado de Maastricht. Aproveitou a ocasião para advertir contra a globalização da economia, que só seria positiva se todos os países estivessem num patamar equivalente -o que está longe de ser o caso. Globalizar a economia do Zaire tendo como referência a economia do G-7 é lucrativo para o G-7, mas letal para o Zaire.
Touraine citou os exemplos da Argentina e do Chile. "Há países que levantam suas economias condenando milhões de pessoas ao desemprego, à violência e à miséria". Ele questionou: "Para que vivemos? Para termos recursos? Para que queremos tanto dinheiro? Para ir ao cassino? Queremos recursos para construir hospitais, construir escolas, para criarmos pesquisas que melhorem a vida de todos, queremos recursos para ajudar os anciãos, os acidentados...".
Quem assim falou não foi um papa conservador como o atual, nem os trogloditas da Era Vargas.

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