São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 1996
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Uma embaixada fronteiriça

ELIO GASPARI

Com a palavra o embaixador americano Melvin Levistky, informando aos nativos que a sua política de concessão de vistos é uma das maravilhas tecnológicas:
- O (...) Serviço de Assistência e Informação sobre Vistos funciona 24 horas por dia, inclusive nos feriados e fins-de-semana. Ligando para 900-0929, (...) ou para 0900-11-0929 (...) os interessados não precisam mais ficar na fila para obter senhas.
Alô, alô
Com a palavra o 900-0929:
- Serviço de Visto dos Estados Unidos. Esta ligação custa R$ 1,60 por minuto. Não estando de acordo, desligue imediatamente. Para iniciar, disque zero.
(Disca-se.)
- Não recebi sua resposta. Por favor digite novamente.
- O número digitado está incorreto... Para marcar entrev... O número digitado está incorreto... Para marcar... O número digitado está incorreto... Para...
Com a palavra o 0900-11-0929:
- Serviço de Visto dos Estados Unidos. Esta ligação custa R$ 8 por minuto. Não estando de acordo, desligue imediatamente. Para iniciar, disque zero.
(Disca-se.)
Doze tentativas depois, ela oferece uma data para a entrevista com um "oficial consular" (alguém precisa ensinar ao computador da embaixada que a tradução de "officer" é funcionário): 16 de dezembro.
A política consular do governo americano no Brasil é inepta e discriminatória e hipócrita.
É inepta porque depois de ter produzido filas humilhantes às portas de suas repartições, oferece entrevistas para o mês que vem.
É discriminatória, trata os cidadãos brasileiros que pedem visto de entrada (na maioria dos casos para gastar as burras nos shoppings) como eventuais trabalhadores clandestinos. Nem as crianças são deixadas de fora dessa prepotência, e o caso do menino Carlos Alexandre Rossi, de seis anos, teve a virtude de exibi-la.
O Consulado Americano no Rio foi arrogante não só quando lhe negou o visto, mas sobretudo quando disse que ele havia sido negado por uma razão e uma suspeita.
A razão: pediu visto de turista, quando devia ter pedido o de intercâmbio cultural. E por que não lhe ofereceram essa alternativa? (Isso para não perguntar por que os seus 12 colegas de excursão saíram com o passaporte carimbado. Carlos Alexandre era o único mestiço do grupo.) A suspeita, segundo um cônsul-adjunto: "Há muitas crianças que são enviadas para os Estados Unidos e acabam ficando em casa de parentes. Isso acontece amiúde". (E daí, Herodes?)
Fé no bicho
A política consular americana no Brasil é hipócrita porque humilha os humildes e é generosa com qualquer endinheirado. Até as portas da embaixada americana conhecem a rotina dos vôos da freguesia dos cassinos de Atlantic City. E quem são alguns desses fregueses?
Com a palavra o notório Castor de Andrade, numa entrevista ao repórter Marcos Sá Correa, na qual argumentava que não há relação entre seu negócio e o tráfico de drogas:
- Se existe algum país rigoroso no combate à droga, são os EUA. No entanto, todo bicheiro que pediu visto para entrar no país foi atendido.
Conversa de contraventor? Em janeiro de 1994, o bicheiro paulista Ivo Noal foi detido pelo serviço de imigração do aeroporto de Miami. Recambiaram-no porque tinha ficha de delinquente. Visto? Ele tinha. Já o professor José Murilo de Carvalho, que não tinha visto e estava no aeroporto à espera de uma conexão, foi detido e tratado como traficante.
Os cônsules americanos no Brasil, assim como a polícia da fronteira do Texas, são pagos para defender as leis de imigração dos EUA. É uma pena que confundam uma atividade diplomática com um serviço policial (de péssima qualidade, a julgar pelo tratamento que dão aos bicheiros). Assim como não se espera que um guarda de fronteira dirija seu posto como se fosse uma embaixada, não era de esperar que um diplomata dirigisse uma embaixada como uma atalaia de fronteira.
É difícil que o embaixador Levistky mude o comportamento de seus consulados, mas um favorzinho, bem que ele poderia prestar. Será que ele seria capaz de dizer se existe nos EUA algum telefone de serviço público que cobra US$ 8 por minuto?

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