São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 1996
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O voto é distrital

ANTONIO CARLOS CARUSO

Estabelecer a sincronia entre a lei e a vida cotidiana é uma utopia do direito. Embora alguma defasagem entre uma e outra seja sempre inevitável, é dever do legislador perseguir essa difícil articulação. Para tal, precisa estar atento ao que acontece nas ruas, às mudanças de postura da sociedade, ao que de saudável já ocorre de fato e ainda não de direito.
Uma questão que se enquadra nesse "intermezzo" entre o real e o legal é o voto distrital. Ainda que a lei estabeleça o voto geral, cada vez mais, em eleições proporcionais, os eleitores têm votado maciçamente em candidatos que representam sua região específica. Basta pesquisar a evolução das composições da Assembléia Legislativa ou da Câmara dos vereadores de São Paulo para perceber a distritalização espontânea do voto.
No caso da Assembléia, é notório o avanço do interior: na maioria das cidades médias e pequenas, os eleitores votam em bloco em candidatos que aliam a chance de vencer a forte identidade com os interesses regionais. Já os eleitores da capital tendem a dispersar seus votos e a dissociar as obras e benefícios sociais da atividade legislativa.
Daí a desproporção em favor de deputados com base eleitoral no interior. O resultado é a menor atenção para questões da capital, seja no plano das obras (o abandono do Metrô é um exemplo), seja no plano político (necessidades urgentes, como a revisão da Lei de Proteção aos Mananciais, são relegadas a um plano secundário).
O último pleito municipal da capital -que, por motivos óbvios, não esteve sujeito à invasão dos candidatos do interior- revelou fato semelhante: a esmagadora maioria dos vereadores eleitos tem suas bases muito bem definidas em termos regionais. Há também o nítido avanço da periferia: Capela do Socorro, por exemplo, que tinha apenas dois vereadores, elegeu cinco. O fenômeno de distritalização espontânea é semelhante ao que ocorre nas eleições para deputado, uma vez que o eleitor da periferia está muito mais sujeito aos problemas estruturais da cidade e, logo, é mais sensível ao discurso dos candidatos que propõem soluções realistas.
Essa distritalização espontânea e gradual traz, porém, o desequilíbrio. Os deputados da capital são franca minoria na Assembléia e nem todos os bairros estão representados na Câmara. São problemas que o legislador pode resolver implantando o voto distrital. A sociedade também ganharia com a transparência inerente a esse sistema: reduzir-se-ia a força do poder econômico, pois, num espaço restrito, o gasto ostensivo pode ser melhor fiscalizado; ficaria claro quem representa quem em termos regionais; e as questões locais, gerais e ideológicas seriam periodicamente discutidas, o que educaria politicamente a população.

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