São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Detetive 'zen' é herói de 'Longa Fila'

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

O romance policial demonstra estar cada vez mais estratificado e especializado, buscando, ao que parece, atender a um público com interesses a cada dia que passa mais específicos.
Sinal dessa tendência, Matthew Scudder, o herói de "Uma Longa Fila de Homens Mortos", de Lawrence Block, é um detetive particular de 55 anos, ex-viciado em uísque, agora viciado em reuniões dos Alcoólicos Anônimos.
A expectativa que o romance cria em torno da capacidade, ou não, de Scudder se manter afastado do álcool gera mais focos de tensão do que o mistério que ele investiga.
Scudder é um cara quase normal. Além do seu problema com bebidas, do qual conseguiu se livrar, veste-se de maneira normal e costuma sair para beber -café- com amigos normais, que bebem uísque e cerveja e são engraçados e malucos como inúmeras pessoas que o leitor conhece.
O detetive namora uma mulher quase normal, que para fugir do tédio gosta de levá-lo a bares bizarros. Scudder tem, também, não poderia faltar, uma amante normal, que atende aos seus chamados sempre que ele liga e não se incomoda de ser a "número dois".
Scudder é do tipo que pensa em voz alta, para o leitor ouvir, coisas banais ou óbvias, como: "Em geral, as pessoas nunca são como eu imagino que sejam, e Shorter não foi exceção, sendo mais velho, mais moreno e, sim, mais baixo do que eu pensara".
Em sua normalidade, Scudder é um sucesso absoluto. "Uma Longa Fila de Homens Mortos" é o 12º e mais recente romance protagonizado por ele, desde "The Sins of the Father", de 1976.
Para quem aprecia, não há o menor perigo de morte do personagem, ao menos por enquanto. Lawrence Block já tem contrato, com sua editora norte-americana, para lançar o 13º Scudder, em 1997, cujo título, inclusive, já se conhece ("Even the Wicked").
O mistério de "Uma Longa Fila de Homens Mortos", apresentado logo de cara, é excelente. Um grupo de 31 homens, a maioria entre 20 e 30 anos, se reúne para almoçar, em 1961, em Nova York. Segundo o mais velho da mesa, trata-se de uma tradição que remonta a séculos, o Clube dos 31.
A partir daquele almoço, os 31 passam a fazer parte de um clube, que se reunirá uma vez por ano, sempre na primeira quinta-feira de maio, para almoçar e bater papo. A cada novo encontro, o mais velho lerá o nome dos sócios que morreram entre uma reunião e outra. O sobrevivente desse grupo será encarregado de reunir novos 30 sócios e manter viva a tradição.
Em 1993, 32 anos após o primeiro almoço daquele grupo, um dos integrantes do clube, Lewis Hildebrand, procura o detetive Scudder, impressionado com o fato de que 17 dos sócios haviam morrido no período -quando, estatisticamente, não mais que quatro ou cinco deveriam ter morrido.
A partir daí, entre uma reunião e outra dos Alcoólicos Anônimos, e uma ou outra noitada bizarra com sua namorada, Scudder vai investigar lentamente se há, de fato, alguém por trás dessa longa fila de homens mortos.
Scudder se define como um "detetive zen". A definição, talvez, se aplique melhor a Lawrence Block, um autor de policiais zen. Só para se ter uma idéia, o primeiro crime que o leitor testemunhará vai ocorrer na página 248, a menos de 100 do final do romance.
O herói de Block é tão zen que terá tempo, em meio à investigação sobre o mistério do Clube dos 31, para introduzir um recém-conhecido nas reuniões do AA.
O leitor descobrirá que há alguma ironia nessa iniciação, mas por algumas páginas tem-se a impressão de que o autor é, na verdade, um pastor a serviço da regeneração de bebuns e seu herói, Scudder, o chato que faz propaganda para o serviço e doa o seu cachê para obras de caridade.
Em todo caso, "Uma Longa Fila de Homens Mortos" serve como iniciação à obra de Block, um autor que é best seller nos EUA e cultuado na França como um dos grandes nomes do romance policial contemporâneo.

Livro: "Uma Longa Fila de Homens Mortos", Lawrence Block
Preço: R$ 21,50 (334 págs.)

Texto Anterior: O MELHOR DE SCOTT-HERON
Próximo Texto: Cypress Hill traz hip hop a evento punk
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.