São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 1996
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Balada para o duelo entre Delfim Netto e Kandir

ALOYSIO BIONDI

Os brasileiros viraram espectadores de um grande duelo, do qual depende o futuro do país. De um lado, o ex-ministro Delfim Netto. De outro, o ministro Kandir. A maioria dos brasileiros nem entende bem os motivos da briga, nem as suas consequências, devido a um grave defeito do filme: ele não é falado em português. É totalmente em economês.
Com dublagem em português, é fácil entender o enredo. O ex-ministro Delfim Netto diz que a economia brasileira caminha para grave crise por causa do rombo da balança comercial, isto é, porque o valor das importações está muito acima do nível das exportações. Segundo o ex-ministro e seus seguidores, a saída para o problema é fazer uma desvalorização do Real, para aumentar as exportações.
Na outra ponta da rua, o ministro Kandir e seus seguidores rejeitam a idéia de fazer a "máxi" do Real, pois isso encareceria todas as mercadorias importadas -inclusive petróleo- e traria a inflação de volta. Até a semana passada, o ministro Kandir usava como munição, contra o adversário, o argumento de que o "rombo" era temporário, e em breve as exportações superariam as importações.
Na semana passada, o atirador Kandir foi abalado em suas posições, com o novo e gigantesco saldo negativo da balança comercial. A realidade obrigou Kandir e seus seguidores (o atirador Malan, inclusive) a admitir publicamente, da noite para o dia, que o "rombo" vai continuar por muitos e muitos meses, talvez até meados de 1998.
Kandir ficou na linha de fogo de Delfim Netto, mas não se rendeu. Saiu em busca de munição nova contra a máxi, sob a forma de novos argumentos: o "rombo" é normal. Ele se deve, sim, ao saldo nas importações. Mas, diz, esse processo, de compras no exterior, vai durar de um ano e meio a dois. Depois, a própria modernização -dispara Kandir- permitirá aumentar as exportações.
A mortalidade
Os espectadores, empresários e trabalhadores, classe média e povão, devem exigir que esse duelo seja suspenso imediatamente. É falsa a munição de Kandir, como é falsa a munição de Delfim Netto. É óbvio que o Brasil não pode esperar um ano e meio para reequilibrar sua balança comercial, como Kandir defende -até porque muito antes disso o Brasil seria vítima de uma "fuga de dólares".
Também é óbvio que o Brasil não precisa de "máxis", como Delfim defende. O "rombo" da balança comercial se deve ao inacreditável escancaramento do mercado brasileiro às importações (em artigo publicado nesta Folha na última segunda-feira, o ex-ministro João Sayad, sutilmente, só não diz que houve uma política criminosa contra o empresariado e o povo brasileiro). É essa política que deve ser revista, por exigência da sociedade. Munição a ser usada? Os próprios dados do governo que, em estudos do BNDES, já mostram como a indústria e o mercado de trabalho estão sendo destruídos.
Na prática
O ex-ministro Delfim Netto tem produzido, sem a menor dúvida, os mais soberbos artigos sobre economia publicados no Brasil nos últimos anos. Neles, tem criticado os economistas e equipes econômicas de todo o mundo, por adotarem políticas de forma autoritária, sem a menor preocupação com os efeitos danosos para a sociedade. Há uma ditadura dos economistas, diz Delfim (em tradução "livre" para o português). Artigos soberbos que Kandir, Malan, Serra e outros economistas hoje no poder (ou no mercado financeiro, o que dá no mesmo) subscreveriam orgulhosamente na época da ditadura.
Além das lições teóricas que vem ministrando, o professor Delfim Netto poderia transmitir à equipe no poder também lições práticas, tiradas da experiência adquirida naquela época. Em 1967, ele também deixou o mercado escancarado às importações; torrou as fabulosas reservas cambiais que o país tinha; foi forçado a fazer uma recessão, destruindo empresas e empregos criou uma crise monstruosa de falta de dólares e de nada adiantou fazer uma "máxi" em agosto de 1968, agravando a crise econômica, que detonou a crise política, o AI-5, a guerrilha e a repressão. O então ministro Delfim Netto usava como munição o slogan: "exportar é a solução". Deu no que deu. Hoje, Kandir, Malan, Serra e FHC dizem a mesma coisa. Isso não é um filme. É um vídeo trágico para os espectadores.

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