São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Neide Patarra

ELIO GASPARI

(Professora do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e do Núcleo de Estudos de População (NEPO), da Universidade de Campinas)
No governo do professor Cardoso a qualidade das estatísticas oficiais está à altura do seu currículo de sociólogo?
Os números brutos, sem dúvida. Há ainda um esforço de agilidade para divulgar os dados da vida nacional. Está havendo também uma orquestração ideológica de valores econômicos e sociais. Quando se divulgou a última Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios, a PNAD, só faltou um tapete voador vermelho para nos levar do IBGE ao Primeiro Mundo. Certas estatísticas indicam avanços, mas nem todos os avanços são produto do atual governo. A melhora na alfabetização, por exemplo. É coisa do atual governo? Não. O que é, não sei, mas se pode perguntar: e se for consequência de um compromisso antigo, apenas dificultado nos anos 80? Pinta-se um Brasil do desejo.
Pode dar três exemplos disso?
Primeiro: a taxa de natalidade caiu. Isso pode ser bom, mas não vamos esquecer que se dizia que, se a natalidade caísse, a miséria diminuiria. Não diminuiu. Há mais meninos na rua hoje, nascidos na fase de queda da fecundidade, do que havia antes. A percentagem de famílias chefiadas por mulheres (mães solteiras, abandonadas ou viúvas) ficou em 25%. É um número inquietante, porque há uma relação entre ele e o declínio social, ou mesmo o aumento da criminalidade.
Segundo: mudou a distribuição da população. Acabou o crescimento das metrópoles. São Paulo e Rio até diminuíram. São Paulo ficou com um saldo negativo de 900 mil habitantes. Isso é bom? Poderia ser, se refletisse uma classe média migrando para as montanhas, em busca de melhor qualidade de vida. O grosso dessa migração é de retorno, o retorno dos derrotados. Há indicadores preliminares de que nesse fluxo vai uma boa quantidade de velhos. Isso não é equilíbrio, é uma nova forma de exclusão.
Terceiro: todas as estatísticas mostram que o Brasil já tem e terá, cada vez mais, que olhar para os velhos. Hoje eles se tornaram um incômodo. Aquela algazarra em torno da clínica Santa Genoveva, onde morreram perto de 90 velhos, sugeria que aquilo era produto da corrupção dos donos da instituição. Achar que é só isso é balela. É não querer olhar para o fato que boa parte daqueles velhos foi abandonada. Vamos ter que mudar as relações de convivência familiar. Vamos ter que voltar a pensar na família extensa.
A sra. pode indicar alguma estatística inquietante que o governo faz de conta que não vê?
Talvez uma das mais importantes. O crescimento do Produto Interno. Há dois anos estamos com taxas medíocres, mas a retórica do governo, de pura propaganda, é de que estamos crescendo. Já vi uma publicação que enfatizava o crescimento de 10,4% da indústria da transformação no último trimestre de 1994, o segundo do Plano Real. E depois? A taxa de crescimento industrial de 95 foi pífia. Focalizam-se números trimestrais para empanar o conjunto. Isso é feito para dar a impressão de que o desemprego é um contra-senso, quando na realidade ele é a consequência lógica de uma série estatística. Finalmente, um aviso: sempre que lhe trouxerem um número dos anos 90 comparado com o seu equivalente nos anos 80, desconfie. Os anos 80 foram uma desgraceira. Procure saber qual era o número dos anos 70.

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