São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 1996
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Fernando Alves Pinto volta à cena em filmes e peça

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Em certo momento, um para dois anos atrás, Fernando Alves Pinto, hoje com 27 anos, era visto no teatro, com "Banheiro", na televisão, com o clipe de Renato Russo e a propaganda do Free, e no cinema, com "Terra Estrangeira". Se existe um ator, um intérprete dos anos 90, no Brasil, é ele.
Mas no dia 12 de agosto ele estava perto do hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, de bicicleta, proibido de sair de carro pelo rodízio, correndo entre a aula de clarineta e o trabalho com o musical "Stomp", quando não escapou de um buraco e caiu de cabeça no asfalto.
"Eu estava descendo rápido, estava garoando e tinha um buraco no meio da rua, cheio d'água. Não dava para ver. A roda da frente entrou e eu dei cambalhotas. Estava segurando a clarineta e caí de cabeça... Mas salvei a clarineta."
Fernando Alves Pinto, por três dias, ficou em coma. Com um coágulo, passou por duas operações. Por duas semanas, esteve inteiramente fora do ar, em "sonho", incapaz de distinguir as pessoas. Por algum tempo, seguiu a confundir e por vezes chamar o irmão, dramaturgo Pedro Vicente, de tio.
Agora ele está de volta, sem qualquer traço do acidente, além de certa obsessão em lembrar detalhes de tudo. "O Nando ficou muito preocupado com a história de não lembrar e acaba lembrando de coisas que eu não consigo lembrar", descreve, rindo, o irmão, que escreveu "Banheiro".
O ator que criou o frágil e sereno protagonista de "Terra Estrangeira", o melhor dos filmes do novo cinema brasileiro, está terminando agora dois longas, um deles já em dublagem, e faz amanhã à noite a leitura da nova peça de Pedro Vicente (leia texto abaixo).
Está de volta o intérprete que Daniela Thomas, co-diretora de "Terra Estrangeira" e prima de Fernando, descreve como de marcante "fragilidade". E que, como também lembra a diretora, "sempre esteve em perigo, desde pequeno", como quando quase morreu de febre, com escarlatina.
Filho do artista plástico Zélio Alves Pinto e de Ciça, a criadora da tira "O Pato", publicada pela Folha até o início do anos 80, sobrinho do cartunista Ziraldo, Fernando era pouco conhecido quando surgiu, de uma hora para outra, no cinema, televisão e teatro.
O máximo que havia realizado como ator, no Brasil, foi uma breve temporada, em substituição a outro ator, na peça "Despertar da Primavera", dirigida por Ulysses Cruz no final dos anos 80.
Estava de passagem pelo país, na verdade. Desde 86 até três anos atrás, atuou e estudou interpretação em Nova York. "Aqui tem o negócio de que o ator se forma e se considera ator", diz. "Lá não tem isso. Ator estuda sempre."
Butô
Fez duas peças no La Mama, teatro que concentra montagens alternativas. Um deles foi uma peça de butô "chata pra..." Não era o butô de Kazuo Ohno, diz Fernando. Bem melhor foi "Loco Siete", sobre a linha 7 do metrô.
O grande salto foi mesmo "Terra Estrangeira", para o qual foi trazido pela prima Daniela. "Na hora eu pensei no Fernando", diz a co-diretora, lembrando quando foi apresentada à idéia, por Walter Salles Jr. "As coisas que imaginei para Paco, a fragilidade..."
Como o personagem, também Fernando era um jovem exilado. De diferente, em Paco, construído aos poucos, tem "o olhar de vazio, inteiramente desligado, o olhar de por-fazer". Daniela diz que o primo, distante de Paco, tem maior cinismo, "savoir-faire".
A entrada de Fernando no filme -e no comercial do Free, e depois no clipe de Renato Russo- foi resultado antes de mais nada de um vídeo feito nas ruas de Nova York, por Daniela, com Fernando. Foram dez minutos que "acabaram criando mais a Daniela como cineasta do que eu como ator".
Modéstia à parte, o certo é que Fernando enfrentou e esteve à altura dos "super-atores" (como ele chama) do filme, como Fernanda Torres, já premiada melhor atriz em Cannes, Luís Melo e Alexandre Borges, que vinham de montagens shakespearianas no palco.
Frágil, desligado, "por fazer" no filme, Fernando Alves Pinto foi ao oposto em "Banheiro". "Eu era um super-galinha. Eu achava muito engraçado. Era completamente nada a ver com o personagem de 'Terra'. Era um canalha."
A nova peça, que ele vai ler e depois encenar, é "PromisQuidade", em que o irmão Pedro Vicente segue na "maldosa ironia" do primeiro texto. Os filmes que estão em produção final são "Anahy de las Misiones", com direção de Sérgio Silva, e "Tônica Dominante", com direção de Lina Chamie.
"Eu decorei todo o texto do filme, do 'Tônica Dominante'. Todo o 'voice-over', os pensamentos. Foi para testar, depois da queda, e eu decorei tranquilo, e disse: 'Ufa, está tudo funcionando'."

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