São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 1996
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EMI reata fio da MPB dos anos 70

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

A gravadora EMI retira de seus arquivos e traz ao CD os 11 discos gravados pelo sambista carioca Paulinho da Viola, 54, no período 1968-79. Volta ao mercado assim -em edição remasterizada em Abbey Road, legendário estúdio dos Beatles- uma das mais importantes obras constituídas no seio da MPB durante a década de 70. E Paulinho, que acaba de lançar "Bebadosamba" (BMG), após oito anos afastado da indústria fonográfica, tem agora todos os seus trabalhos (com exceção de "Paulinho da Viola", 81, Wea) disponíveis no formato CD.
Antes tarde do que nunca. Só em 1996, quando os discos de vinil já viraram peças de museu, alguém lembrou que a obra de Paulinho da Viola estava fora de catálogo.
Além de coletâneas, só havia "Eu Canto Samba" (BMG, 89) em CD; e a Wea reeditou "A Toda Hora Rola uma Estória" (82) e "Prisma Luminoso" (83), reacondicionados em tenebroso dois em um.
A EMI salva a pátria, iniciando o que pode ser um período de revalorização das linhagens nobres do samba até hoje jogadas às moscas.
É só lembrar que a gravadora detém toda a obra de Clara Nunes (que promete relançar em 97) e trabalhos fundamentais de Clementina de Jesus e Elza Soares. Por enquanto, o que há é Paulinho.
1968
O artista estréia em carreira solo com "Paulinho da Viola" (antes, havia lançado "Na Madrugada", em parceria com Elton Medeiros, relançado em CD pela RGE em 93).
Os arranjos ainda são dominados por orquestrações antiquadas, e a interpretação de sambas de Cartola e Casquinha é impostada.
O destaque é "Coisas do Mundo, Minha Nega", ("as coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender"), regravada um ano depois pela sempre vanguardista Nara Leão -digna, pela letra e pela melodia, de constar da galeria de peças imortais do autor.
1970
Na primeira música de "Foi um Rio que Passou em Minha Vida", já se encontra a síntese do que se consumaria como obra: em "Para Não Contrariar Você", Paulinho (re)apresenta, no pós-tropicalismo, a sonoridade que fez do samba a maior invenção que o Brasil ofereceu ao mundo.
Jovem então, Paulinho só queria reinventar a maestria dos bambas do samba que ele admirava. Faixas como "Não Quero Você Assim" -uma das mais delicadas que o Brasil (não) conhece- já firmam: a não-invenção seria sua invenção.
1971
Em "Paulinho da Viola", impõe-se definitivamente sua persona delicada-melancólica. Se o Brasil era para a explosão espalhafatosa dos tropicalistas, era também (ainda) para a elegância discreta de Paulinho.
O disco conta com "Para Ver as Meninas", mais uma de suas canções-síntese, canções de Candeia, Nelson Sargento, Alberto Ribeiro e a satírica/ingênua "Consumir É Viver" (à Jorge Ben), traço de concessão ao imaginário tropicalista, que nunca se materializaria.
Hoje, a faixa dotada de maior apelo neste outro disco homônimo é a sombria "Para um Amor no Recife", que Marina Lima acaba de regravar.
A matreira "Dona Santina e Seu Antenor" abre o veio da crônica do cotidiano do morro, um dos mais férteis do artista.
E há o resgate de novos bambas -Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito ("Depois da Vida"), Orestes Barbosa ("Óculos Escuros"), Monarco ("Lenço").
1972
"A Dança da Solidão" é a primeira de uma sequência de obras-primas. Com seu relançamento, a geração CD pode enfim descobrir que a interpretação que Marisa Monte deu à canção-título reduz-se a cinzas se confrontada com a do autor.
As leituras de Paulinho eternizam canções já clássicas de Wilson Batista ("Meu Mundo É Hoje") e Cartola ("Acontece") e fincam-no como o maior intérprete masculino da moderna MPB.
1973
"Nervos de Aço" chega para rivalizar o antecessor em perfeição. Crava pérolas como "Comprimido" (um dos poemas mais desconcertantes de Paulinho) e elabora compreensões pessoais a "Nervos de Aço", de Lupicinio Rodrigues, e "Sonho de um Carnaval", de Chico Buarque.
Mas incomparável é a releitura de outra obra-prima de Wilson Batista, "Nega Luzia", fábula da "nega" que "recebeu um Nero" e tentou botar fogo no morro.
1975
"Sem preconceito ou mania de passado/ sem querer ficar do lado de quem não quer navegar/ faça como um velho marinheiro/ que durante o nevoeiro leva o barco devagar", ironiza no samba sobre o samba "Argumento". A vez, neste "Paulinho da Viola", é de sambistas camaradas, como Zorba Devagar (!), Madeira e Padeirinho. O sucesso popular foi o samba-enredo pálido/sarcástico "Amor à Natureza".
1976
"Memórias" é subdividido em dois volumes. Em "Cantando", Paulinho se entrega à prospecção e traz a público sambas de Pedro Caetano e Malfitano. E torna ainda mais sutil "Pra que Mentir", de Noel e Vadico.
"Cantando" ("lembra daquele tempo/ quando ainda não havia maldade entre nós") e "Meu Novo Sapato" são canções-irmãs daquelas criadas no início do século por Noel Rosa ou Ismael Silva.
O Paulinho cronista aparece em "Dívidas" e "Velório do Heitor" e na peça-síntese "Vela no Breu", lirismo e poesia em estado puro.
"Chorando", a segunda metade de "Memórias", é também o projeto mais ousado do autor -é um disco só de chorinhos instrumentais, com quatro regravações do mestre Pixinguinha. Há ainda um choro de Ary Barroso e composições de Paulinho, como "Beliscando", hoje incorporada ao panteão do choro.
1978
O virtuosismo e a simplicidade são as pedras de toque de "Paulinho da Viola", em composições como "Coração Leviano", "Sentimento Perdido" e "Sofrer" ("sofrer, não faço outra coisa na vida").
1979
Em "Zumbido", ele volta a gravar Wilson Batista -em "Chico Brito"-, e mais uma vez o diálogo é o ponto alto. "Não Posso Negar" já admitia que a maré não estava para peixe: "Dizem que não tenho muita coisa pra dizer/ por isso eu quero sem favor me apresentar/ sou de uma escola diferente/ onde todo mundo sente que vaidade não há".
O disco abre fase menos inspirada de Paulinho, que, autocrítico, não pagou para ver: privou o público da habitual abundância de trabalhos que só vêm ao mundo para bater ponto. Dizem que a pressa é inimiga da perfeição.

Discos: 11 títulos de Paulinho da Viola
Lançamento: EMI
Preço: R$ 20, cada CD, em média

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